Em 1988, no terceiro ano da faculdade, por conta de nossas andanças pela Fefeleche, acabamos formando um grupo de amigos que contava com alunos da FEA, Sociais, História e FAU. Foi um ano divertido, mas foi um ponto fora da curva na minha experiência mais disciplinar na USP. Hoje, meus grandes amigos são os que comigo fizeram o curso do Pastore, bombaram no Garófalo, aguentaram as piadinhas do Troster e acreditaram nas tolices da Leda (acho que essa foi só eu).
Mas em 1988 íamos nas festonas da Silvia na Granja Viana. Nosso QG era o Café das Flores, na Rua dos Pinheiros. Felipe de Holanda o aglutinador-geral da tropa. Valéria da FAU, Silvia da História. André da FAU. Escrevo os nomes sorrindo, os vendo com 20 anos, dúvidas, trajetos. Espero que sorriam quando pensem em mim com meus 20, dúvidas, trajetos.
Depois, na minha cabeça, os membros já num círculo maior. O Decão, nosso amigão da FEA, e o Demian, sempre parecendo pairar. Aí havia uma moça da Sociais, de cujo nome não lembro no momento, muito amiga da Silvia. Eu me dava muito com a Valéria, aparecíamos uma na casa da outra sem avisar. O Leone, que lia as mãos das meninas no saguão da Sociais, e o Parente que parecia entrar e sair do prédio como um cometa de história em quadrinho.
André gostava de política e uma vez fomos numa reunião do DCE. Para ele tudo parecia uma grande piada. Então quiseram aprovar uma moção a favor do povo palestino e ao invés de criticar ele começou a tirar da manga uma série de povos oprimidos sedentos por moções de apoio do DCE-USP. Não me recordo do desfecho. Aprovamos todas as moções? Só a anti-semita? Nenhuma? Não sei.
Quando encontro essas pessoas e relembro aquele ano, falam de outros. Falam de um Fix como se ele fosse Deus, quase que um Felipão. Não me lembro. Não é Alzheimer, não é que esqueço. Tenho um costume que deve ter um fundo cognitivo, não é possível, e que às vezes é confundido com arrogância. Há gente que não vejo.
Não sei o que é, simplesmente há gente que não vejo, cujas palavras não me soam e isso é um problema. Claro que lembro da Raquel, da bolsa caramelo que ela levava para o Cedec. Claro que lembro da devoção que o Bolonha tinha pelo Demian, de seu jeans bem cortado e de sua operação no joelho. Mas de alguns não lembro pois não os vi.
O Bolonha se tornou um importante palhaço, aliás.
E aí ontem, níver do André, ele me solta que aquele grupo maravilhoso era uma célula do PCB na USP. Como assim, célula do PCB? Ué, o filho do Jarbas, do Goldman, e aí falou algo da Silvia que eu não registrei, e eu pensei no meu pai e sua marca registrada a gravata vermelha, e no Demian cujo pai me contou da gravata vermelha do meu pai pois eu mesma nunca a vi.
Would you believe we were all card-carrying commies? Talvez não, né. E se eu disser que meu grupo, que era em 1988 o centro inquestionável do universo, fosse apenas um apêndice de um outro grupo que não era mais de esquerda que o emergente PT, mas apenas mais bem nascido? Bem, e que tal dizer que o comunismo nos anos 1980 já era uma piada, e que nosso grupinho, eu André Felipão Valéria Silvia, mais desfiliados que filiados, era mesmo o centro do mundo?