Tríplice Lancôme
Três cidades muito distintas aqui na Tríplice Fronteira. Puerto Foz é uma casa de bonecas, lojinhas bonitas, carros que param para você passar, barzinhos com uma MPB de fronteira tocando, uma coisa tão fofa que você não sabe de onde vem. Comprei CD de Paola Martínez, muito bacana! Tudo barato, mas as roupas não tem qualidade excepcional. As jaquetas de couro não vão te transformar em James Dean, nem os restaurantes oferecem a comida de Buenos Aires. A malha de lã de lhama eu achei bem chique, a prata também é interessante. O lugar é simpaticíssimo, e com muito mais polícia que no Brasil. Vendem La Nación, trouxe um ou dois exemplares. Na seção de cartas, o jornal imprime o número de identidade do leitor. Não há grandes recomendações, tudo é muito perto mas se alguém quiser me peça, jantei lá duas noites.
Foz do Iguaçu é gigantesca. Tudo é grande e esparso, mas faz sentido. Tem algo de industrial, pois foi de lá que fizeram a barragem. Quarteirões imensos no centro, e hotéis gigantescos numa estrada que vai para as Cataratas, estrada meio americana, sabe? Não estradinha com pousadinha. Povo atencioso nos ônibus, param e te explicam tudo, te planejam o dia. Estranhamente, na pousada que fiquei e em outras ocasiões, vi um pouco de má vontade, não sei explicar. Acho que são tantos turistas, de tantas partes, e sem muitos retornos, então talvez os atendentes do turismo se encham e não haja estímulo para cativar um cliente que não volta. Mas na rua foi o contrário, moças me ajudando a pegar o ônibus, “ele está indo até a rodoviária e logo volta, compensa esperar!” Não achei a comida excepcional, nem nos bons restaurantes. Me lembrou um pouco alguns lugares dos Estados Unidos, tudo meio massificado demais.
Ontem fui para a tal Ciudad de Leste. Uma coisa espantosa. Sem ordem alguma, carros passando sem cuidado no que seriam faixas de pedestre mas não as há. Calçadas cobertas com camelôs e então ao pedestre resta andar pela borda da avenida, onde passam os moto-táxis, que quando não atropelam pedestres os levam de um lado a outro da ponte. “Shopping centers” que não lembram muito o Iguatemi ou Bloomingdale’s. Homens armados e uniformizados guardando lojas. Armados que eu digo, com carabinas que não me parecerem as coisas mais precisas do planeta.
Todas as lojas meio iguais, menos uma de equipamentos de pesca, bem especializada. Busquei o blush da Lancome que eu ando atrás, não encontrei. Depois saí a esmo pelos arredores, uma loja de artesanato, mas nada interessante. Procurei um restaurante árabe, mas os árabes lá não são de muita conversa e apenas me dirigiram a outras pessoas que também não me indicaram o que eu buscava. Acabei comendo empanadas num lugar bem simples, mas simpático. Tomei guaraná paraguaio, e voltei. Acho que não teria feito esse desvio com as meninas, é tudo muito estranho. Não dá pra dizer que é a 25, a Praça da Sé. Perto de Ciudad de Leste, a 25 é o Harvard Square. Ciudad de Leste é a 25 do planeta.
De engraçado, um vendedor na rua anunciando as lojas que ele representa: “Eletrônicos, roupas, namorado paraguaio, temos tudo.” Eles falam um português até bem correto, com um sotaque muito bonito. Na Argentina também, falam português com sotaque bonito, meio natural, não sei explicar. Não é Portunhol, aquela língua que falamos quando empostamos a voz. É Português mesmo, com uma melodia hispânica.
Voltei ao Brasil a pé. É um horror. A ponte é desconfortável para o pedestre, e aí tem a alfândega que é só para os sacoleiros pedestres, pelo que vi. Homens abrindo a mala cheias de roupas de bebê na frente dos policiais. Tanto na fronteira com o Paraguai quando com a Argentina, o Brasil não faz controle de imigração, não apresentamos nenhum documento, nada. E o Paraguai também não faz controle. Então apenas para entrar e sair da Argentina você passa pela imigração. Não entendi a lógica.
Por que não libera a importação dessas porcarias todas, especialmente do blush da Lancôme que vem com três cores num estojo só, o que reduzirá o fluxo de pessoas e mercadorias na fronteira, transformando ela numa fronteira normal que pode ter controle sem prejuízo para a economia daquelas cidades? Quer dizer, a economia de Foz e Ciudad de Leste se reduziria, pois boa parte é sacoleiro. Mas dá medo sim ver aquela fronteira totalmente aberta.
No Brasil você pede permissão até pra alterar o ritmo da respiração, mas pode entrar no país livremente sem mostrar uma porcaria de uma identidade? Passei pela fronteira entre Estados Unidos e Canadá, que são países com legislação, nível de controle, ideologias compatíveis e é bem mais rigoroso. Mais como a fronteira com a Argentina, me lembrou muito. Reduz os impostos sobre importação, estabeleça controles não tarifários, exigindo respeito ambiental e ao trabalhador razoável, pois a maioria das pessoas prefere comprar em casa, com garantia, do que ir ao Paraguai – nada contra o país, mas com isso acabamos vendo o mais feio dele.
Enquanto isso, tente comprar algo pela seção de compras da Unesp… Não dá pra entender. Voltando a Foz: Foz é onde as pessoas moram de fato e dormem quando vem para cá. Tem os hotéis, a estrutura. Mesmo Ciudad de Leste, me disseram que muita gente mora no Brasil e trabalha lá. Em Foz não tem polícia, aliás, como no resto do Brasil. Fui parar ontem numa periferia, uma mulher manobrou o carro e acertou um motociclista que vinha a toda, se fosse eu não me recuperaria daquela, o cara levantou, depois mandaram ele deitar e aguardaram os bombeiros, deve ter demorado uns 20 minutos. Fora isso, é uma cidade normal, como dizia o Afanásio.
As cataratas são um capítulo a parte, mas te digo que vale a pena sim. Começar pelo lado brasileiro é uma boa, pois você vai entrando no clima, vai vendo elas se desdobrarem à frente, vai vendo elas crescendo. Tem uma estrutura excelente, com mirantes, com restaurante, mas nada muito construído, o ator principal é a natureza. Não tive tempo para fazer o passeio pela mata, pode não parecer mas fiquei na conferência direto, de segunda a quinta, e ainda trabalhei em outras coisas.
As cataratas argentinas, quer dizer, são as mesmas cataratas, e pega Tim, mas o lado argentino é bem distinto. Você entra de cara na coisa, não tem tempo de ir se acostumando. E isso talvez dê um toque irreal. Você passa a metros das águas, do lado, por cima, por baixo, às vezes tudo isso ao mesmo tempo. É impressionante. Eles construíram estruturas de metal que atravessam a mata e permitem vistas que só um pássaro teria. Também não pude fazer o passeio longo pela mata, fica para uma próxima. Mas fiz o passeio de barco, uma coisa meio parque de diversões, que não sei se aumenta ou diminui o senso de irrealidade, te jogam em baixo das águas e parece coisa de parque aquático.
Tem muito efeito especial no lado argentino, entende? É tão espetacular que você duvida de algo. Acho que merecia um dia inteiro, de manhã cedo ao por do sol, para se dar conta da grandeza da coisa, mas novamente por trabalho não pude fazer isso. Isso sim se eu viesse com as meninas eu faria, um dia inteiro nas cataratas argentinas. Uma parte bonita do passeio é que me deitei num canto antes de descer para a parte inferior para descansar, e quando vi um grupo me olhava. É que havia um quati bem atrás de mim, e eu e o quati deveríamos ter formado uma dupla bem engraçada… (na foto, o quati ido embora, ele estava bem pertinho quando me virei)
Para chegar lá, parei na estrada vindo de Foz e tomei o ônibus argentino, comendo um sanduíche de linguiça num quiosque, a coisa mais gordurosa e deliciosa que já botei na boca. O cara me “assaltou”, cobrando dois reais quando o certo seria apenas um. Coisas de câmbio desbalanceado. Mesmo pagando o dobro, comi duas daquelas coisas e um guaraná brasileiro, por três reais. Demorou mais, mas essas coisas dão um toque de cinema para a viagem, eu gosto. Recomendo fazer esses passeios de ônibus comum, mesmo que seja mais demorado, de van ou táxi vai ficar meio enlatado. O grupo que conheci no congresso “não gostou” do lado argentino, suspeito que o guia deve ter encurtado o passeio, pois é impossível não gostar do que vi, impossível.
Fico emocionada lembrando do som das cachoeiras, do barulho da mata que quando você se afasta das águas aparece, da moleza nas pernas depois de tanta subida e descida, do parque fechando, os funcionários fazendo as últimas tarefas ao final de um dia de trabalho. Aliás, esqueci de dizer, os moradores de Foz nunca vão aos parques, nem os moradores de Puerto Foz. Falei com taxistas, funcionários da pousada, cuja última visita havia sido há 7, 8 anos. Para eles, é trabalho. Levam as pessoas, têm familiares que trabalham lá, mas não usam os parques, o que é estranho pois não vi muitos outros lugares para lazer. Será que o preço é alto? Acho que havia um preço para morador, menor que o de brasileiro ou Mercosul.
Acho que foi isso. Querendo dicas, é só me perguntar… De prático, não precisa mesmo de passaporte, carteira de motorista basta. “Reales” também basta, só que às vezes vão te dar troco na moeda local. Câmbio é 1 real pra 5 pesos argentinos, mas nos ônibus apenas 4, o que não faz muita diferença pois o valor é pequeno. Na Argentina aceitam cheques do Banco do Brasil e, como no Brasil, cheque ou dinheiro tem desconto.
Esther acha que árabes podem não ter falado comigo por restrições ao meu humilde gênero, com quem eles não devem interagir por conta de tradições religiosas, e não por me considerar perigosa espiã que vai contar tudo ao Mansour na segunda-feira…