Ocupando São Paulo

Não sei o que me deu hoje, não conseguia sair de casa para ir ao clube, ir na Paulistânia resolver pepinos, pegar carro. Decidi andar pelo centro, minha ginástica urbana.

Comecei na Casa dos Filtros, na Rego Freitas, uma rua bem bacana com um comércio interessante: coisas para casa, ferramentas, essa loja especializada onde te dão uma aula sobre o melhor filtro. Que continua sendo o de barro, mas tudo bem, o meu é para um torneira Deca chique. Me senti bem, ajudando o comércio do bairro. Nas outras ruas, colchões, molduras, material para artes plásticas, Aliança Francesa, sapatos sob encomenda. Virei freguesa.

Sim, porque estou numa rua limítrofe. equidistante da morada do nobre Fernando Henrique e do perímetro ocidental da Cracolândia. Às vezes tudo bem tomar café na Praça Vilaboim, mas não posso esquecer também do Largo do Arouche, meus vizinhos. Anotem aí o link, http://www.casadosfiltros.com.br, ajudem o bairro.

Depois fui meio hesitante, por conta da insegurança no centro, comer no africano listado no maravilhoso Guia da Culinária Ogra, uma espécie de pretexto gastronômico para você passear por São Paulo inusitada. Fui até a Praça da República, virei na rua do metrô, peguei a rua Aurora e subi até a Barão de Limeira.

Biyou-Z também apareceu em artigos recentes no Estado e na Folha, vale a pena. Não achei o lugar tão simples, achei cuidado, bacana, mesmo que barato. A mesa de madeira, toalhas estampadas, parede enfeitada, até uma pia no canto para você lavar as mãos. Cardápio bem explicado, atendimento excelente. Gostei da comida. Não é uma coisa assim de embriagar os sentidos. Mas por isso mesmo eu gostei. É comida étnica mas com jeito de comida de verdade. É diferente – uma folha que eles trazem da África mesmo, na mala, quem viaja traz – mas não é exótico. Vou voltar e comer os outros pratos, se der vou levar minhas sobrinhas também.

Queria seguir para a Pinacoteca, mas fiquei apreensiva em ir a pé. Andei até a São João, perguntei se era seguro, dois lojistas me garantiram… que não. Note que em nenhum momento da caminhada vi policiais. Nem um. Nem carro, nem andando, nada. Da Martinico até a São João, nem tira, nem meganha, nem polícia, ninguém. Aquela praça do começo da Barão de Limeira sempre me deu um certo receio, quando ia para a Folha. Continua dando. Mas como o Biyou-Z é bem ali no começo, tudo bem, dá pra ir tranquilo. Agora, ir até a Luz eu achei melhor não ir.

Andei pela Tiradentes, quem sabe algum ônibus me levava pra Luz? Mas no Largo do Paissandu resolvi entrar na Igreja do Homens Pretos. Não sou homem, nem preto, mas como também não sou católica achei que ia me sentir bem. De fato, é um refúgio interessante no meio do centro. Devia ter mais informação na entrada, pois a história daquela comunidade é fascinante, mas só ver as pessoas rezando, o frescor do prédio num dia quente de verão já te acalma o espírito. Recomendo.

Pensei em ir para a Luz de metrô, então cruzei o Anhangabaú e fui até o centro velho. Aí o pique acabou, quis dar apenas uma passada no Centro Cultural BB, que na terça fecha. E bateu um cansaço verdadeiro, não sei se estou fora de forma ou o sol forte que me derrubou. Sentei num desses cafés tradicionais para tomar uma água, e tomei um táxi de volta, com um ar condicionado que fraquejava. E assim acabou meu passeio de férias.

Mas sociólogo não tem férias exatamente, está sempre fuçando, anotando mentalmente o que vê. E gostei do que vi. Como o centro é vivo! Como ele resiste a prefeitos sucessivos! Gostei do comércio, gostei das gentes. Claro que não é tranquilo. Mas também, sem polícia alguma! Só vi, já indo para o centro velho, dois guardas municipais na São João, um carro da polícia civil já no centro velho em “operação especial”, e não me pergunte o que é isso mas deve sair caro para quem for o alvo da coisa, e um carro da polícia militar um pouco acima. Só.

Então será que é problema social, problema de droga, ou simplesmente a polícia do Estado de São Paulo acha que tem coisa mais importante para fazer do que cuidar do centro da capital do Estado, uma metrópole de 9 ou 10 milhões de pessoas? Eu acho que não existe cidade com esse porte onde o centro é simplesmente deixado ao Deus-dará e tudo bem, as pessoas se organizam e tudo corre direitinho. Não dá.

Não sou especialista em segurança pública, mas me parece que não mudou tanta coisa assim desde o “tempo do Rei” narrado no Memórias de um Sargento de Milícias. A polícia deixa a coisa rolar e aí do nada aparece para baixar o cacete em todo mundo. No romance, é divertidíssimo. Acho que é o melhor livro já escrito no Brasil. Mas no século XXI a polícia já podia ter evoluído um tantinho.

E, desculpe falar dos rolezinhos, e desculpe ainda mais aos analistas que ficaram chocados com o tratamento da polícia aos jovens que no shopping, mas acho que não foi bem com o que a polícia fez que o pessoal ficou chocado. Esse é o padrão. Deu confusão? Então entra batendo, seja presídio, ruas públicas, baile funk ou cracolândia. É a técnica disponível. O que o pessoal ficou realmente alarmado foi com usarem a técnica num shopping, espaço sagrado, globalizado. Ou seja, onde o Sargento de Milícias deveria se curvar.

Enfim, o único antídoto para a cultura do shopping é ocupar a cidade. Então nesse post fiz questão de colocar os links direitinho, e te convidar a vir dar um passeio pela região da República, prestigiar o nosso centro tão rico e diverso.

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