São Paulo: deixe-a e ame-a

Então ontem (sábado) comemorei o aniversário da cidade, pagando o IPTU da Martinico e depois indo ao Ibirapuera logo no começo do dia. Estava cheio, até lotado, mas muito agradável. Adorei ter visto um engavetamento de bicicleta numa das ciclovias, ninguém avançando na parte dos pedestres, nem reclamando das freadas do da frente nem dos encontrões do de trás, todos rindo, pois é mesmo engraçado um engavetamento de bicicleta. Depois um show patrocinado pela Globo, com lugares para sentar à sombra, tudo muito chique, músicas emocionantes, doação de árvores, um clima alto astral. E fui pensando em como gosto dessa cidade.

Fui lembrando do que é voltar para São Paulo, dos lugares de onde voltei para São Paulo.

Uma vez voltei do Peru, e em Lima me diverti às pampas, conheci muita gente, muito legal. Mas voltar para São Paulo, ir à Oscar Freire, onde não posso fazer compras mas só saber que existem coisas bacanas na minha cidade já está bom.

Voltei também uma vez da Argentina, e no meio do vôo perguntei à aeromoça: escuta, já estamos em espaço aéreo brasileiro? Ela respondeu que estávamos sobrevoando Florianópolis. E respirei feliz.

Voltei também de Cuba, que meu pai tinha alertado que seria como um outro estado brasileiro, só que pior. E o alívio de não estar num estado policial não foi pequeno.

Recentemente voltei de Israel, e ao meu lado um jovem israelense olhava pela janela embasbacado. Grande, né?, eu perguntei. Verde, ele disse. Verde. Mas para mim o principal era que era grande, Israel te dá claustrofobia, pois você cruza o país de norte a sul e aqui mal teria chegado em Araraquara.

No Ibirapuera uma feirinha que não conhecia ainda, pedi que me fizessem um estojo de caneta e lapiseira, vamos ver! Namorei um jogo de mesinhas no MAM, mas acho que não seria certo gastar tanto dinheiro agora. Voltando para o carro, um guarda de rua soltou: Calor, hein? Você está uma alemãzinha. Em geral isso me irrita, me confundirem junto com quem. Estou o quê? Uma alemãzinha, ele repetiu, toda vermelhinha. Mas ontem me divertiu. Um lugar em que te confundem com seu algoz mais brutal – isso tem algo de cômico, de inocente. Toda vermelhinha.

Voltar de Nova York, confesso, nunca me fez assim tão deslumbrada. Eu gosto de Nova York. Quando chego lá sinto que estou voltando também.

Mas de uma outra cidade americana… Cheguei e dei de cara com um mega engarrafamento na Marginal do Tietê, daqueles que o taxista quer contornar e te leva pra Atibaia, uma coisa linda, uma coisa espetacular, um milagre urbano-social. Fiquei nesse bliss, que pensei que ia durar duas semanas, por seis meses. Tudo me encantava. Corruptos na TV, enchentes, o padeiro fazendo pão, a faxineira do prédio vindo tomar café, tudo me emocionava.

Da Europa voltei poucas vezes, não sei te dizer que emoções me trouxe. Acho que muitas vezes eu voltei para Nova York, então não foi uma volta completa. Da Europa mesmo, vocês sabem, eu gosto dos programas policiais franceses que passam na TV a cabo, não sei se me traria grandes emoções ir ou voltar de lá.

À tarde fui ver Paulinho da Viola na República, foi realmente espetacular. Como ele é doce, como a presença dele não é de star, é um amigo ali no palco que resolveu cantar para você, vestido normal, contando histórias normais e cantando coisas maravilhosas, que todo mundo seguia. E falam tanto da segregação de São Paulo, mas acho que as pessoas que escrevem isso podiam ao invés ir no show gratuito do Paulinho da Viola. Que mistura. Hoje você vê duas pessoas de mãos dadas e não tem a menor idéia da relação que elas têm. Uma mulher mais velha com um jovem que não se parece com ela, amigos, namorados, filho adotivo, o quê? Tudo misturou. Gente vendendo cerveja, recolhendo lata, avisando da mochila aberta, fumando maconha (não gostei, mas enfim), mulheres arrumadas, tatuadas, idosos, hippies vendendo artesanato, tinha de tudo. Tinha de tudo.

E lembrei de uma outra volta, que se contei aqui não contei a quem deveria ter contado, mas é que não deu tempo.

Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar.

Em 1987, logo depois de estourar a primeira Intifada, fui para Israel. Minha mãe ficou no deixo, não deixo, depois deixou. Um dia chego em casa e vejo que ela havia ligado para a agente de viagem. Perguntei por quê. Ela disse que achou tão barato que resolveu checar se eu não tinha comprado só a ida. Me fiz de indignada. Mas eu pensava em ficar por lá mesmo.

Aí fui indo, conhecendo o lugar, suas gentes. Ainda te perguntavam na rua quando você ia morar lá, e no começo eu respondia animada e depois cada vez mais hesitante, mudando de assunto. No final, era certo que eu usaria o trecho da volta.

Na chegada, tenho certeza que não contei essa história para minha mãe. Depois já não tenho tanta certeza; acho que não, pois foi tudo muito corrido, ela ficou doente e tudo o mais. Então nunca lhe disse que, de fato, na minha cabeça a passagem era só de ida.

Dinheiro na mão é vendaval, é vendaval.

Não sei o que me impediu de contar, que constrangimento. Pela mentira sobre minha intenção. Pelo apego à mordomia da Vila Madalena. Talvez por meu amor abafado pelo meu país, minha cidade.

Desilusão desilusão danço eu dança você.

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2 respostas em “São Paulo: deixe-a e ame-a

  1. Heloisa, adoro São Paulo e o fato dos diferentes, aqui, conviverem tão bem (penso seja uma contribuição portuguesa). Já voltei muitas vezes da Europa…e bem menos dos EUA

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