Devia ter começado a contar do dia do avião, pois aí os dias coincidiam com o dia do mês e além disso os sonhos que a gente traz pra cá são muito importantes. Ontem acordei cedo, com um sonho bizarro, pessoas amadas, que eu já perdi por uma razão ou outra, se encontrando numa festa. Acho que estava um pouco com abstinência de natação, meio perdida, espalhada. Tomei o trem para Tel Aviv com os soldados, era o tal de Yom Rishon, o domingo onde todos trabalham, o Dia Primeiro. Os soldados voltam para as bases, depois de um fim-de-semana com a família e os namorados. É o que tem que fazer. Alguns pais tem raiva dos religiosos que não prestam serviço, alguns soldados acham que cada um tem sua missão. Eu, da diáspora, já fico bolando meios de evadir o serviço. Mas alguém tem que fazer. “Eles são israelenses, eu não”, me disse uma mulher sobre seus filhos. Eles têm que ir. Ela se corrói.
Depois queria descansar, mas descansar em viagem é impossível, pois há sempre coisas práticas para resolver. Fiquei de fora do apartamento e aproveitei para revisar um texto num café muitíssimo agradável que tem aqui, com janelas grandes e ar condicionado. Depois fui para Tel-Aviv e acabei andando na Ben Yehuda, aí sim com lojas chiques, cabeleireiros que me deu vontade de entrar e me arrumar um pouco, ando meio selvagem, esqueci o secador de cabelos. A história da minha mãe não me sai da cabeça. Talvez isso é que defina nós judeus, talvez isso é que devia ser perguntado na imigração: “Você tem alguma coisa muito íntima na sua vida, que nem você sabe, nem sua analista, nem seu esposo, nem seu melhor amigo, e que você só vai descobrir através de um desconhecido a 10 mil quilômetros de distância?” Pois eu tenho duas coisas assim, uma que descobri em Pittsburgh, completíssimamente por acaso, e outra em Haifa, um pouco menos por acaso.
Talvez seja isso que eu escreva para um ensaio, não sei se falei, vou organizar essas notas na forma de um ensaio e já tenho onde “submit”, vamos ver, uma edição especial sobre a experiência judaica diaspórica. Ontem li uma entrevista com um escritor israelense que se sente um estranho aqui, se identifica mais com a diáspora, onde a escrita é oblíqua e não tem um posição de autoridade. Aqui existe uma pretensa homogeneidade, ele diz, da qual não faz parte. Então vou por aí. Não é que sejamos estrangeiros num determinado lugar. É que a nossa alma está espalhada, e a gente passa a vida ou negando isso, ou tentando buscá-la, mas está espalhada.
Se os sionistas achavam que estavam fazendo um bom trablalho mudando os nomes dos imigrantes que chegavam para nomes hebraicos, nome e sobrenome, e exigindo que se falasse hebraico, e coisa e tal, bom, então, resgatando a linguagem da minha mãe, fizeram um puta cagada, pois agora sim é que a alma ficou espalhada, os nexos se apagaram, os segredos se fecharam, as histórias se romperam, e haja tempo para refazer, reencontrar, descobrir. Haja tempo. Gerações?
Enfim, descobri a piscina, e é uma maravilha. De frente para o mar, com água salgada, chuveiros, armário, guarda-sóis, bebedouro, raia, oclinhos para comprar, tudo tudo tudo. V. paga 60 shekelim (15 dólares, ou seja, mais ou menos o que a hebraica cobra), mais 10 se quiser o armário (eu não peguei pois me disseram que pode deixar as coisas na cadeira que ninguém rouba), e nadei minha meia-hora, acho que hoje vou de novo. nadei às 6 da tarde, pois o sol é inclemente aqui, já disse. Melhor: água friazinha, diferente da do mar, que é muito quente, tem água-viva. Peguei o horário da piscina, está escrito em hebraico. O domingo, dia primeiro, com o alef, a segunda com o beit, e assim por diante. Como a gente, que escreve 2a feira.
E depois da piscina tudo ficou mais claro, mais simples, mais fácil.
Ae falou do que eu dizia,nadar,libera endorfinas.só perde para algumas coisas.A natação por ser um esporte solitario ou voce conta azulejos,e sabe quanto nadou,ou nada por tempo,e reflete sobre a vida,sempre sai algo aproveitavel,beijos,divirta-se.Andrea chega amanha a noite.