Sabe a felicidade de quebrar o jejum? Senti na terça, quando vi no twitter que o Shalit ia ser libertado. Alegria, esperança. No ano passado fui a uma passeata pela sua libertação, escrevi sobre isso na revista Maaravi. Alguém, acho que no Haaretz, disse que o movimento pelo Shalit foi o precursor dos movimentos dos protestos das tendas desse ano. Concordo: uma ênfase na vida pessoal, no direito de ser normal. Os israelenses merecem isso. Merecem se preocupar com a prestação da casa própria, com o nível da educação, com as coisas com as quais todos se preocupam.
Depois dessa alegria pura, desse alívio enorme em saber que uma pessoa que você nunca viu vai sair do jugo de pessoas que você nunca vai querer ver, claro, comecei a pensar no assunto. O que significa? Acho que o maior significado é essa alegria mesmo, essa sensação de possibilidades abertas, para israelenses e, talvez, para palestinos. No dia anterior tinha pensando que o The Onion estava certo, que ninguém tem a menor idéia do que está fazendo, Obama, Netanyahu, estão só enrolando. A Dilma até se safa. E aí a contraprova: o Netanyahu estava fazendo algo, bom ou ruim, certo ou errado, mas não estava paralizado. Coragem.
No plano da política internacional, parece ser uma porta, uma moderação do Hamas? Uma concessão do governo israelense para a população mais focada na própria vida (e menos nas ideologias e religiões)? Uma mostra de boa vontade para o Quarteto, de ambos? A mim me pareceu isso, mas pode ser wishful thinking. No Tablet apareceu essa análise, dizendo que a libertação de um americano no Egito acabou forçando um acordo entre Israel e o Hamas. Parece possível. No NYTimes apareceu essa outra, que me pareceu errada, apontando a troca de prisioneiros como um sinal da radicalização na região. Mesmo que a gente não saiba exatamente o que aconteceu nos bastidores, se o Lieberman votou contra e o Hamas não está divulgando a lista dos prisioneiros com medo de parecer fracote, houve negociações e concessões dos dois lados. Então isso tende a ser algo positivo. Tende a ser uma aposta no futuro.
Não vejo como isso pode enfraquecer a Autoridade Palestina. Só se você vir no terrorismo uma força. Abbas e Fayyad não sequestram gente, pronto. Formam um governo com problemas, mas legítimo. Claro que o Hamas saiu “ganhando”. Comparar os dois agora é comparar a riqueza de um ladrão com a de um sujeito trabalhador. São duas grandezas distintas. Os ganhos da AP devem ser medidos em crescimento do PIB, escolaridade, expectativa de vida, etc., como de qualquer governo do mundo.
Agora, uma ausência nessa coisa toda é a do Brasil. Estaria aí um campo onde poderíamos ter atuado. Tudo bem que o Itamaraty tem suas pinimbas, desde a época em que deixaram um dos fundadores da USP à mercê de assassinos europeus, só porque era judeu. Mas precisa ir contra os interesses do Brasil por causa disso? Precisa dar dinheiro para Gaza, ao invés de apoiar a Autoridade Palestina? Apoiar Assad e não a Turquia? Kadafi ao invés dos movimentos populares? Em nome de quê? Qual a lógica? Por que estar sempre do lado errado das coisas, sempre metendo os pés pelas mãos?
Eu realmente senti falta do Brasil nessas negociações. Gostaria que meu país tivesse ajudado nesse difícil diálogo, mostrado no que é bom, em ser a “turma do deixa-disso”, e aberto portas para uma atuação mais decisiva em futuras negociações na região e no mundo. Não foi desta vez. O Hamas e o governo de Lieberman e Netanyahu conseguiram se entender sem nós. Feliz ano para a família Shalit e para todos no Oriente Médio que querem viver em paz!