Ando assim sem saber o que ler. Aí na livraria da Travessa, no Rio, achei um Otto Lara Resende e um Gregório de Matos. Comecei com o Otto Lara Resende, sob a falsa impressão de que ia me divertir. Isso por causa da frase dele, citada por Nelson Rodrigues, de que o mineiro só é solidário no câncer. Eu conheci a frase através de uma versão do meu pai: “O brasileiro é solidário no câncer e na porta aberta do automóvel.” Sabe, você está na estrada, o cara do lado se descabela para te mostrar que a porta lateral traseira do carro apenas aparenta estar fechada. Resistiu bem nos últimos 100 kilômetros, mas o motorista, zeloso por sua segurança, teme que ela se escancare subitamente.
Enfim, achei que alguém que comparasse o câncer com a porta aberta do automóvel só podia escrever coisas divertidas. Achei que seria o Nelson Rodrigues cômico. Mas o Nelson é sórdido e irônico, o Otto é sórdido e sádico. Meninas órfãs sofrendo abusos sexuais, meninos assassinos (vários), mutilações, coisa pra não ler à noite. Alguém já leu o Otto e conhece coisas mais legais dele? Vi na internet que ele era da turma do Rubem Braga, gozado. Dei um curso em Pittsburgh sobre a literatura brasileira, reforcei sempre essa leveza do texto literário brasileiro, essa coisa dos autores estarem sempre com medo de estragar algo, sempre pisando em ovos. Mas aí está um contra-exemplo. Me lembrou um volume de contos romenos que uma vez achei em casa.
Enfim, ando sem saber o que ler. Folheei na casa de uma amiga uns textos do Cortázar também. Não vou falar mal pois vai que tem algum fã lendo o blog, não vou me arriscar. Comentei com essa amiga: difícil, a gente já leu um monte de coisa, parece que as juntas da leitura também emperram um pouco. Me encantei com a literatura israelense, me pegou assim meio desprevenida, tudo era novo. Era como ser jovem e ler.
Então li um monte de coisa, contei no blog, depois chegando aqui ainda li mais: O menino e o pombo, A garota na geladeira. Gostei. A densidade sentimental de um, a ironia demolidora de outro. Pensando assim, em voz alta, acho que não leio os textos pelos textos, não. Por isso nunca fui boa ficcionista. Acho que leio as coisas que me abrem para os mundos. E estava aí um mundo que eu não conhecia e com o qual eu queria travar algum tipo de relação. Então foi isso que azeitou as juntas, e me botou, jovem, a ler romances.
Hoje seria: “Brasileiro só é solidário no câncer e na mochila aberta no metrô”. De literatura, não sei nada.
Não sejamos tão radicais com Otto Lara Resende, quando eu cursava mestrado em Fisiologia na FMRP-USP era tão agradável ler os textos dele na Folha, faleceu quando eu estava no fim do meio do terceiro semestre de mestrado… Em Fisiologia, enfim, o que há de se esperar de biólogos experimentais, não há mais sangue e sordidez que possa atemorizar tanto.
Você tem toda a razão! E pode ser que minha imagem simpática dele venha justamente das crônicas, artigos de jornal.