Um gabinete online?

No ano passado elaborei uma proposta de gabinete online, a partir de discussões com um deputado federal e com o Everton, da Open Knowledge. A coisa ficou só no projeto, mas agora um grupo está se articulando na mesma direção então resolvi publicar aqui minhas reflexões! Projeto Camara Virtual: https://www.facebook.com/ProjetoCamaraVirtual?hc_location=stream, http://projetocamaravirtual.blogspot.com.br. Quem sabe agora a coisa anda!

Gabinete Online

Proposta para um deputado federal

Democracia e Representação

Por conta de recentes transformações sociais e nos meios de comunicação, temos hoje um novo ambiente para o debate público, que favorece a participação, especialmente dos jovens, que se apóiam em sua visão global e pouco hierárquica do mundo. Isso aparece não apenas nos movimentos políticos mais espetaculares, mas também no cotidiano de quem trabalha com jovens. Por outro lado, no Brasil e em outros países de renda semelhante, o afã consumista e um certo descrédito com relação à política tradicional se somam aos problemas da representação inerentes à democracia.

Será que os meios de comunicação podem aproximar representantes e representados? Será que um “gabinete online” dinâmico e interativo pode mostrar aos eleitores que aquele mandado é deles de fato? Sem enxergar nos meios de comunicação uma panacéia, será que eles podem ajudar a construir uma ponte entre governo e sociedade nessa cultura política onde escândalos e curiosidades atraem mais que o trabalho legislador cotidiano e mesmo pessoas esclarecidas não têm claro quem são seus representantes?

Sem endossar tolices como democracia direta, penso que a experiência de acompanhar o trabalho legislador periodicamente muda algo na forma como vemos o poder. Além disso, um gabinete online bem sucedido poderia servir de exemplo para outros representantes que de fato abracem a participação popular em seus mandados. Isso daria ressonância ao trabalho destes legisladores e voz à sociedade como um todo, incluindo palpiteiros eventuais e cidadãos que possam trazer propostas inovadoras ao debate. Gabinetes online poderiam funcionar como “distritos eleitorais virtuais” enquanto o voto distrital de fato não é aprovado, e de qualquer modo a democracia e a representação sairiam fortalecidas pelo uso inteligente dos meios de comunicação.

  1. Um gabinete online

Apresento aqui uma proposta para um gabinete online, cujo objetivo principal seria revelar a articulação entre os valores do mandato de um deputado federal e suas ações concretas, feita em diálogo com o eleitorado e o público em geral. A idéia, tecnológica e conceitualmente, é simples, mas tem grande potencial transformador por iluminar e dar significado à relação de representação política, que aos brasileiros parece em geral nebulosa e corrupta. Trata-se essencialmente de um site na internet contendo as principais ações do mandato, organizado de modo acessível a qualquer cidadão com nível de instrução equiparável ao ensino secundário, com acesso básico à internet e conhecimentos rudimentares sobre seu uso. O site teria implementação e manutenção técnica simples, fazendo uso de recursos disponíveis na internet tais como WordPress ou Drupal, podendo também ser facilmente reproduzido por outros parlamentares em outros estados ou níveis de governo ou mesmo fora do Brasil.

Uma plataforma? O gabinete poderia ser adotado por um representante específico ou por uma assembléia como um todo, facilitando o uso por seus membros e pelo eleitorado, seja no Brasil ou no exterior. Nesse caso, mais que um gabinete propriamente dito, estaríamos falando de uma plataforma política, tal como temos plataformas educativas (Moodle) ou para blogs (WordPress). O “Gabinete Virtual” seria uma plataforma que poderia ser downloaded por um deputado brasileiro ou angolano, por um vereador em Pindamonhangaba ou Nova York. Que poderia ser adotada pelo Conselho Nacional Palestino ou pela Câmara Municipal de São Paulo. A criação dessa plataforma poderia servir de estímulo democrático não apenas para representantes no Brasil mas até mesmo em países com cultura democrática mais nova que a nossa.

Através deste site, o deputado e sua equipe mostrariam de modo organizado as atividades cotidianas do deputado, tais como diálogos com a sociedade e projetos de lei, realizadas em torno de ações, tais como ações contra o trabalho escravo ou de promoção do transporte sustentável. O site, com espaço para a participação do público, teria desenho simples e sóbrio, constituindo-se numa extensão do gabinete do deputado e, consequentemente, do Congresso Nacional. Ele seria informativo e rico em textos, apenas com links para recursos audiovisuais em outras plataformas, tais como YouTube ou iTunes, para podcasts. Além disso, o site funcionaria como um portal para os dados disponíveis publicamente sobre questões relativas às ações do mandato, sobre o congresso e sobre o próprio mandato. Os fóruns de discussão seriam organizados em torno de cada ação, abertos aos cidadãos que se identificassem através do portal E-democracia do próprio congresso ou de algum outro modo, com moderação e acompanhamento da equipe do mandato e do próprio deputado. Os fóruns possibilitariam fácil acompanhamento pela equipe, com discussões divididas de modo claro e intuitivo e com acesso fácil aos temas mais discutidos pelo público.

O gabinete online aumentará o envolvimento do público e em especial do eleitorado com o mandato de um deputado federal. Pelo que pudemos constatar até o momento, esse projeto bastante simples se contrapõe a outros usos dos meios de comunicação na política e em especial na representação.  Em primeiro lugar, ele não pretende fazer propaganda do mandato ou do representante como um produto a ser deglutido. Se o projeto for bem sucedido ele pode se traduzir em votos, mas o princípio que o rege não é do marketing e do convencimento, mas sim o do espaço público e do debate. Em segundo lugar, o projeto não tem como objetivo final a fiscalização e o monitoramento por parte do público das ações do deputado, o que é na verdade o outro lado da moeda do marketing. A transparência é sim condição inicial para que o debate sobre as ações do mandato se dê. Finalmente, os recursos interativos estarão disponíveis no site “pra valer”, e não apenas como enquetes tolas; a idéia construir um espaço comunicativo adequado para um bom debate, que será acompanhado pelo deputado direta ou indiretamente.

O papel negativo do marketing na política é óbvio, então não vou me deter nisso. Sobre a questão da fiscalização, noto brevemente que, por conta de nossas desconfianças correntes sobre a gestão pública nacional, depositamos uma fé exagerada nos mecanismos de controle quantitativo sobre a gestão pública. Transparência e oferta acessível de dados são fundamentais numa sociedade complexa, para que cidadãos, imprensa e institutos de pesquisa possam, coletivamente, analisá-los e ajudar a sociedade a tomar suas decisões públicas. Entretanto, a relação de representação é uma relação pessoal entre um deputado eleito e seu eleitorado. No Brasil, em especial, pensamos a política em torno de nomes, trajetórias de vida, rostos e modos de ser. Não há absolutamente nada de errado nisso; é nosso jeito de nos relacionarmos e, consequentemente, de lidarmos com o poder. Romário, por exemplo, foi eleito com votos pessoais, enquanto Bolsonaro recebeu votos por sua plataforma política. O marketing que encobre e a vigilância que esmiúça não diminuem nossas suspeitas sobre o poder – muitos que apóiam mecanismos de controle talvez queiram de fato reduzir todos ao mínimo denominador comum. Mas o diálogo, o embate de idéias e as colaborações vitoriosas são experiências que criam relações e constroem uma cultura democrática, que é nosso objetivo final.

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