Depois de ter deixado o “Crônicas” parado, com as histórias distribuídas em redes sociais e blogs agregadores, vou voltar ao meu blog nesse fim de ano chuvoso, aos poucos tentando voltar ao texto mais corrido, menos entrecortado, vamos ver como sai. Escrever à mão não sei mais, mas será que ainda sei escrever à blog?
Na coluna de hoje de Gurovitz no Estadão há menção de uma explicação mais institucional à crise democrática global. Eu particularmente endosso. No Brasil, esse fator, o engessamento dos partidos, é o que salta aos olhos desde o início, sobre o qual escrevi desde 2013, se não me engano. Os autores citados sustentam (Hopkin e Blyth) que também é esse divórcio entre Estado e cidadão que jogou os países no populismo de direita ou de esquerda. Aqui talvez essa explicação seja tão óbvia, que não consigamos enxergar que em país mais resolvidos institucionalmente, onde juízes não ganham ordens de grandeza mais que trabalhadores, isso também ocorra. E, quando falamos em partido, sempre relembro a iniciativa do Onda Azul, do Humberto Laudares, que tinha como alvo exclusivo a democratização do PSDB. Era algo focado, preciso, pertinente, que não deu em nada. No Brasil, não faltam boas idéias, mas sim ouvidos a elas. Valeria a pena reler o manifesto do Onda Azul, se alguém tiver aí. Não tinha tecnologia, não tinha guerra cultural, não tinha penduricalho, não tinha gimmick. Eram jovens dizendo: “ei, quero participar, em bases democráticas e transparentes, pode ser?” Houve várias reuniões com os caciques, não sei dos detalhes. Depois o impeachment atropelou tudo. Vale uma pesquisa, esse momento pós-eleição e pré-impeachment.
Unrelated: comprei duas garrafas de Chandon Brut com cartão de alimentação. O mesmo que não posso usar na feira. Sou a favor da extinção desses cartões, que são uma burocracia a mais, desviando dinheiro de impostos para os bolsos destas empresas de cartão, e criando distorções inadmissíveis na economia de alimentação e de “coisas que vende em supermercado”. Não é tão unrelated, pois são esses cartéis artificialmente produzidos que nos impedem de usar nossos recursos (voto ou dinheiro) na obtenção do produto que mais nos convém (representação ou frutas de excepcional qualidade).
Finalmente, sobre o fascismo atual: muito difícil combater na esfera púbica um governo que de antemão abre mão de ideais liberais e democráticos, ou melhor, que de antemão os nega. O PT, com seus defeitos todos, dizia querer acabar com a pobreza. E isso era verificável: a pobreza aumentou, diminuiu, manteve-se? Assim com todas metas, da violência à mulher à educação. Por isso, inclusive, faziam aquelas ginásticas, como dizer que a Lei Maria da Penha não mudou nada, mas se não tivesse tido seria pior, que é uma agressão à lógica, exigindo manipulação estatística considerável. Mas havia a idéia, compartilhada por todos os social-democratas, de que a violência contra a mulher é algo ruim.
Ora, o fascismo não tem esse ideal. “Me ne frego.” O meio ambiente que se dana. Uso apartamento funcional para comer gente. E assim por diante. Não é que as propostas sejam vagas, para evitar muita cobrança, ou seja, pragmaticamente vagas. É que são contrárias aos ideais de uma sociedade melhor! Sim, estamos contra o professor, a cultura, a ciência, é isso mesmo. Você não chega para um ditador fascista e diz: “Oi, mas o seu antecessor tratava a imprensa com mais liberdade.” Não, that’s the point, eu sou diferente, eu sou contra a liberdade de imprensa, que deve ser um braço do Estado. “Oi, as minorias no seu governo estão sendo discriminadas.” Ah, é? Então vou tirar a cidadania delas, tá bom assim?
O debate público será infernal, pois dos 60% de eleitores do presidente eleito, uma parte considerável, não sabemos quanto exatamente, mas são bem eloquentes nas redes, aceitou os pressupostos fascistas, ou seja, se coloca contra os ideias de uma sociedade melhor. A mera denúncia, de que, sei lá, a violência aumentou, a escolaridade piorou, ou algo do gênero, não terá impacto algum, ou até terá impacto negativo nesse eleitorado, pois nunca houve a promessa de índices sociais melhores. Não sei exatamente com quem contamos nesse debate, pois é algo novo para todos nós. Só não é novo para quem viveu os anos 1920 e 1930 na Itália e na Alemanha, mas os acontecimentos dos anos 1940 foram tão destrutivos que, no fundo, sabemos pouco da vivência das décadas anteriores. Cito Os Diários de Victor Klemperer para quem se interessa, mas deve haver outros estudos que não conheço.
Então é isso, esse primeiro texto corrido. Boas festas!