Relendo uns contos antigos lembrei de uma história que talvez já tenha contado aqui também.
É que um dia acordei, muito criança, no Guarujá, e achei na cabeceira da cama um telefone de plástico azul. Pode hoje parecer pouca coisa, com esses aparelhos eletrônicos todos que as crianças têm, mas na minha época até uma certa idade a gente nem atendia o telefone fixo que ficava na sala, quanto muito ter o nosso próprio telefone.
Mas esse era especial. Significava que era sábado, que meu pai havia chegado no dia anterior ao Guarujá, onde estávamos de férias. E, além disso, que ele havia trazido um presente para mim. E, além disso, que era um telefone de plástico, e ainda por cima azul claro, vivo!
O presente era vivo. Podia não fazer ligações, mas que importava? Era a promessa de ligações. Podia algum dia poder fazer ligações, e talvez na minha cabeça de criança inteligente eu já intuisse isso: esse negócio algum dia vai me ligar a um mundo. É uma promessa de um mundo grande. É uma verdadeira internet! Eu fiquei parada ali naquele pensamento.
Era uma felicidade tão grande que me deixou muda. Nem sei se agradeci. Fiquei olhando o brinquedo, hipnotizada. Estava ali mesmo, era meu, meu pai tinha trazido, e de algum modo está ali até hoje. Depois saí correndo e fui abraçar meu pai.
E depois vieram outros presentes, uma mala preta para minhas viagens, uma máquina fotográfica, um gravador, uma máquina de escrever. Todos tinham um pouco de telefone azul, mas eram presentes de segunda mão, coisas que meu pai havia usado e me dava por ter outro mais moderno. Talvez por isso ele não percebesse o quão valiosos eram, e depois quando me dava presentes mesmo e eu não me entusiasmava, ele não entendia.
Um dia, já idoso, ele me trouxe uma bolsa dessas da Bahia, que se compra em lugares turísticos. Eu amei, ainda está em uso. Guarda minhas coisas que mantenho em Marília. Me lembro que me iluminei quando a vi, e ele nem entendeu: “Como é que você gostou dessa bolsa, tanta coisa te compro e você não gosta?” Mas pra responder eu teria que contar toda a história do telefone azul de plástico, das promessas de mundos que um presente trás. E na hora eu estava tão feliz que não consegui contar.