A história de Chaim é que ele havia nascido na Polônia, no lado oriental. Quando alemães e russos invadiram o país, sua vila ficou do lado russo. Era jovem, ele havia contado no clube, num dos almoços regados a suco de laranja apenas, e queria conhecer as cidades grandes! Então aproveitou a anexação e foi até animado para o leste. Com o pacto desfeito, o governo russo foi transferindo a população cada vez mais para o oriente e quando a guerra acabou, Chaim estava no Kazaquistão. Começou a percorrer o longo caminho de volta. Na sua vila não havia ninguém. Deportados. Só a irmã sobreviveu, sem o marido nem a filha. E logo foi para Israel. Ele ficou.
– O que você estudou, Karina? Que estudou?
– Eu me formei em arquitetura, Chaim. Meu pai tinha esse sonho, de estudar arquitetura, mas não pode porque teve que ajudar em casa. Acho que aí eu acabei estudando – ela disse rindo – mas gostei!
– Gostou?
– Sim.
– Que bom! Bom gostar do que a gente faz. Gostou mesmo? – Chaim perguntava como se fosse uma dúvida concreta, objetiva.
– Gostei sim.
– Que bom – ele disse aliviado. – Eu estudei economia em Varsóvia. Depois da guerra, o governo me chamou, estava tudo destruído, precisava de gente! Gente, gente! Fui trabalhar no governo.
– Mas não tinha anti-semitismo?
– Precisava de gente. Fazia contabilidade, conhece contabilidade?
– Um pouco.
– Precisa saber, um pouco precisa saber. E no governo precisa muito, então eles me mandaram estudar. Estudei economia, conhece economia?
A luz acabou.
Karina e Chaim ficaram calados no apartamento. Ela levantou e viu pela janela que o bairro estava todo às escuras.
– Chaim, vou pra casa.
– Como vai pra casa?
– Preciso ir.
– Tem marido?
– Não.
– Tem filho?
– Não.
– Precisa ir por quê?
Era a lógica dos homens, indiferente aos tempos, aos lugares.
– Fico mais um pouco, depois vou.
Ele levantou e ficou ao lado dela, olhando o escuro do bairro.
– Tinha 30 anos, tinha emprego, tinha estudo, mas me sentia um velho. Hoje? Hoje estou começando a vida! Como pode isso? Estou começando a vida! Mais vodka, Kátia?
– Um pouquinho só.
Ele voltou tateando à estante, trouxe a garrafa e segurou na mão dela para conseguir entornar no copo sem derramar nada. Depois a puxou para o sofá novamente.
Chaim contava aventuras, Tel Aviv, Varsóvia, Santos, São Paulo, Moscou, a vodka, a mão no joelho da arquiteta às vezes mais firme para ver se ela ainda estava ali ou se havia escapado pela cidade. Mas ela estava ali.
Talvez estivesse ali no lugar de alguma mulher perdida nessas andanças todas, uma tia, uma prima, uma namorada. Ela não sabia. No escuro do apartamento, não dava pra ver. Talvez estivesse ali no lugar dela mesma. Não sabia. Não dava pra ver.
Gostei muito do seu texto. Gostaria de interferir o mínimo possível, porque sei que de algum modo isso mudará textos futuros, mas sou tagarela e preciso dizer.