A votação expressiva de Aécio Neves no primeiro e no segundo turno das eleições presidenciais de 2014 mostraram que o eleitor brasileiro apóia a democracia representativa e acredita que ela é a melhor forma que o país tem de alcançar todo o seu potencial e gerir crises quando elas acontecem.
A proposta política baseada na cooptação de movimentos sociais, silenciamento da esfera pública e compra de apoio no legislativo teve respaldo apenas suficiente para a vitória eleitoral, a despeito do uso expressivo, legal e ilegal, da máquina e dos recursos públicos nas eleições. A vitória, paradoxalmente, inspirou rancor, e não alegria, nos vitoriosos.
Já a proposta política da “nova política” acima dos partidos terminou como em 2010: um bela idéia na qual ninguém aposta de fato para gerir o país. A novidade dessas eleições foi a volta firme da “velha política” – velha por conta de sua longa e notável história.
Velha porque criada na Atenas antiga, paulatinamente implementada na Inglaterra medieval, repensada na França e reinventada pela Revolução Americana, no século XVIII, que criou um modelo adequado para a sociedade de massa.
É em torno da atualização desta política democrática de raízes profundas, testada nos países mais desenvolvidos do mundo e adotada pelos que querem crescer socialmente, que deve se dar a oposição nos próximos 4 anos.
Ficou claro, especialmente nos dias que se seguiram às eleições, que existe um ímpeto de participação na sociedade que vai além do entusiasmo eleitoral. Ficou claro também que a sociedade pode ter relação de colaboração com autonomia frente aos partidos e ao Estado, e não apenas de vigilância ou adesão.
A liderança de Aécio Neves, político com os pés fincados na democracia e impressionantemente consciente do papel de liderança moderada e agregadora que sua candidatura criou, vai ser crucial nos próximos anos. Depois do memorável discurso dele no Senado Federal, não resta muito a dizer.
Mas uma coisa é importante lembrar: em algumas semanas, os eleitores estarão mais preocupados com a crise econômica e, num natural refluxo, com suas vidas particulares, que com as negociações no Senado Federal e na Câmara dos Deputados.
A página de Aécio no Facebook, que continuou crescendo depois das eleições e hoje tem 4,2 milhões de likes, talvez perca destaque com o passar do tempo. Vamos voltar nossas atenções para o trabalho, para projetos pessoais, ou mesmo para questões políticas locais.
O trabalho dele é ser senador, e o nosso continua sendo ser professor, engenheiro, médico, jornalista, porteiro, mestre de obras, caminhoneiro. Mas a relação muito especial que se criou com essa candidatura deve ser mantida por nós, o que vai exigir esforço de parte a parte.
Como fazer isso?
1. Com campanhas de filiação massivas.
Por que não temos isso no Brasil? Por que os partidos nunca fizeram questão de chegar ao eleitor, de convidá-lo para entrar? Por que o eleitor não ajuda a decidir em prévias quem serão os candidatos às eleições? Isso pouparia muita candidatura jogada fora, mas principalmente criaria uma rede de participação cidadã, que conectaria o eleitor ao sistema partidário. Esse seria enriquecido pela pluralidade social e aquele obteria melhor compreensão dos desafios da política e da administração.
Essas campanhas poderia ser feitas em conjunto com partidos do campo democrático, como o PV ou o DEM, pois o objetivo fundamental não seria o da disputa eleitoral mas sim o do adensamento de relações políticas. Os partidos precisam perder o medo do eleitor.
2. Com contribuições partidárias capilares.
Qualquer que seja a natureza da reforma partidária e dos modos de financiamento de campanha, uma coisa é certa: democracia se faz com o cidadão. Hoje, com a internet, a captação de recursos pulverizados é muito mais fácil. O cidadão já se acostumou a contribuir para causas, ONGs, com um simples click. Candidaturas populares seriam alavancadas por essas contribuições monetárias e, principalmente, candidaturas honestas seriam facilitadas por contribuições pessoais. Para isso, é preciso investir em métodos ágeis e fáceis.
A internet, é preciso lembrar, é apenas um meio. Nada garante que a mobilização de outubro se repetirá em 2018 caso esse ímpeto de participação não seja canalizado para coisas concretas, e contribuir para a construção de um partido, candidatura ou proposta é um modo de dar ao cidadão a possibilidade de atuar em conjunto com a estrutura política formal.
3. Ouvindo o cidadão
Os recursos para a comunicação entre líderes políticos e cidadão são inesgotáveis, com a internet. E precisam ser explorados caso esses líderes queiram continuar sendo porta-vozes da oposição. Nessas eleições, marcada pela perda do medo, como disse Aécio, me parece que os políticos perderam o medo do cidadão igualmente. Viram que o cidadão pode sair às ruas não apenas para criticar e protestar, mas também para auxiliar, participar, tomar o bastão e passar adiante. Talvez seja essa colaboração, feita com respeito e autonomia, a marca das eleições de 2014, e que deixou o campo hegemonista tão desconcertado.
Pois essa relação que se forjou nas ruas e na internet entre eleitores de Aécio e o candidato e seu partido teve um caráter igualitário, sem exigências do eleitor ou dominação do partido. Cada um fazia o que achava correto, dentro de princípios e objetivos comuns. Para hegemonistas essa relação respeitosa, cidadã, é inatingível e natural objeto de inveja. Pois bem.
Agora que perderam o medo da crítica implacável do cidadão vigilante, e viram que a internet pode ser um campo de diálogo e amizade, ainda que ruidoso e acidentado, façam-se presentes na rede! Criem websites onde o eleitor se sinta realmente ouvido e respeitado, consultem sobre assuntos polêmicos e sobre assuntos técnicos, criem ou adotem plataformas de diálogo para que na cacofonia da internet também se encontre o debate ponderado, racional, argumentado.
4. Apresentando propostas
Um importante elemento da candidatura de Aécio foi a equipe de primeira linha que desenhou o programa, ainda que sua divulgação tenha sido adiada por razões estratégicas de campanha. Esse programa deve ser incluído no debate público ao longo dos próximos meses; o partido deve recuperá-lo tanto nas discussões enquanto oposição quanto em suas ações nos governos estaduais. A questão do meio ambiente, da transparência e eficiência da máquina pública, os princípios norteadores da gestão e da ação política, esse trabalho todo pode e deve inspirar as discussões, as propostas legislativas, a ação pública. E, com a colaboração cidadã, ir além delas.
Em especial, a transparência governamental deve ser apoiada no nível federal (pois aí está uma contribuição positiva do governo Dilma) e aplicada sem demoras nos governos estaduais. É preciso escancarar as contas públicas para que a cidadania se exerça em sua plenitude, sem receios. Chega de monumentos à burocracia; o cidadão quer um Estado simples de compreender e de lidar. E isso deve ser feito agora, pois as críticas virão com força antes que elas se transformem em cooperação.
5. Trazendo a diversidade
Os partidos do campo democrático devem se abrir à diversidade da população brasileira. É preciso acolher as mulheres, os negros, os jovens, as minorias sexuais dentro dos partidos, sem condescendência nem cooptação. Diversidade de gente traz diversidade de opiniões, de visões, de perspectivas. Os partidos saem fortalecidos com uma pluralidade verdadeira e o cidadão se sente representado. Não há razão para a cara tão homogênea que o PSDB tem hoje, quando tantos são seus eleitores, de tantos lugares, credos e cores desse Brasil tão grande. E não falo em mulher defendendo assunto de mulher, não é isso. Não é de uma balcanização política que precisamos. A contribuição dos partidos democráticos deve ser em contrabalançar essa tendência e atualizar a democracia para uma sociedade que já incluiu em tantas áreas essas minorias.
6. Campanhas mais modernas
Finalmente, é preciso se preparar para as campanhas políticas. O potencial da ação de apoiadores eventuais é imenso, e os partidos devem criar as condições para que esse apoio se dê, auxiliando no mapeamento eleitoral, nos moldes da campanha de Obama em 2008. É preciso investir em estatísticos e programadores, e deixar a impressão de cartazes com o público, que pode fazer isso por conta própria se tiver desenhos disponíveis na internet. O mito do “marketeiro” que manipula imagens e slogans ficou para trás, pois também ele é triturado pelos debate online. Especialmente quando o candidato tem o que dizer, o marketeiro deve ser substituído por um gestor de uma campanha descentralizada, fornecendo informações ao eleitor engajado sobre a melhor forma de atuação.
Na política em si, em como navegar entre direitas e esquerdas, povo e elite, liberais e estatistas, radicais e moderados, Senado e Congresso, minorias e maiorias, nanicos e grandes partidos, não vou dar palpite que não sou besta, pois não se ensina o Padre-Nosso ao vigário. Então me restrinjo apenas a falar sobre a relação entre ação partidária, sociedade e debate público na era da internet.
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