Eu queria hoje agradecer do fundo do meu coração ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que apresentou a nós paulistas o neto de Tancredo Neves. A princípio desconfiados pela fama de playboy e pela posição moderada com relação ao governo do PT, nós ficamos absolutamente encantados com o preparado, sereno e democrata Aécio Neves. No final da disputa, Aécio nos entusiasmava mais que nossos próprios candidatos, nos parecendo mais generoso, mais político, mais consciente da largura desse enorme país, coisa que às vezes esquecemos aqui em Piratininga. Aécio é mais Guimarães Rosa que Oswald de Andrade, e é um Guimarães que o Brasil precisava e precisa.
Penso que mesmo tendo passado por várias eleições, Fernando Henrique deve estar triste hoje. Será que em 4 anos ele terá a força de subir no carro de som e gritar para 10 mil pessoas sobre a importância da democracia? Penso que é isso que ele está se perguntando. E é para ele que eu queria dizer o seguinte: em 4 anos essas 10 mil pessoas estarão gritando pela democracia e pela história sem revisionismos, pelo bem do Brasil. Nós ouvimos o recado. No Largo da Batata havia muita gente da minha geração, e minha geração acordou em 2014. Minha geração está em falta com o Brasil, e ali nós assumimos um compromisso muito sério, quando nós o aplaudimos, que é pegar o bastão da sua geração, que nos trouxe a democracia de volta.
Minha geração começou a votar nos anos 1980, e muitos de nós colocaram o Partido dos Trabalhadores nas prefeituras paulistas. Nós embarcamos na fantasia de que projetos de poder coletivos são aceitáveis, ao contrário da corrupção pura e simples. Demonizamos o Paulo Maluf, um mero ladrão inofensivo que nunca mudou o curso da história, e idolatramos pessoas como Erundina ou Genoíno que serviram, com seu voto de pobreza e seus ideais sociais, de cartão de visita para crimes contra o Brasil e contra a democracia. Fomos nós que fizemos isso, e em 2014 estamos nos dando conta do que foi que nós fizemos. Estamos lendo os documentos de fundação do PT e vendo que está tudo lá, que não vimos pois não quisemos.
Não estou aqui santificando o professor Fernando Henrique, longe disso. Não teria sido melhor lutar dentro do PMDB do que formar um partido de caciques, um verdadeiro clube do Bolinha, e depois se jogar nos braços de ACM? A reeleição não foi um tiro no pé? Não podia ter apoiado Serra de modo mais efetivo em 2002? Fez de tudo para dissuadir os jovens de 1968 de se engajarem numa luta perdida de antemão? E na presidência, não foi mais papal do que Papa, segurando a economia quando já era hora de acelerar? Não sei, não estava no lugar dele. Cada escolha tem seu preço. Mas o Fernando Henrique foi o militante das Diretas, o pensador do nosso desenvolvimento, o introdutor das políticas de transferência de renda, foi quem estabilizou a moeda sem artifícios, fazendo reformas importantes na gestão pública, reformas duradouras, a tal herança “maldita”.
E, além disso, grandes homens não são perfeitos. São apenas grandes, e quero aqui dizer que a mensagem do Largo da Batata foi clara. Que não é esperando que o Brasil volta aos trilhos, que existe um processo político, social, que alguém precisa liderar. Caramba, como a nossa geração é um vazio de lideranças. Se em junho de 2013 os jovens não tinham bandeiras concretas, não produziram um texto sequer, a culpa é nossa, pois não estamos dizendo nada aos jovens, não estamos lhes dando recursos para pensar. Nem ensinando a história, nossa obrigação mínima. E em 2014 nós nos demos conta disso. Nós recebemos a transição pronta, de bandeja, mas no Largo da Batata nós compreendemos o que foi que Ulysses, Covas e Montoro fizeram; de repente, para usar uma expressão da época, caiu a ficha para a minha geração.
Fernando Henrique subiu no carro de som e gritou a plenos pulmões. Foi bonito de ver. Estavam lá em cima também todos os que fizeram esse país, estava lá JK, que teria feito o mesmo se tivesse chegado a essa idade. Estavam nos passando um bastão que ficou mais pesado agora, mas vamos agarrar com firmeza, agora mais esclarecidos de quanto vale a democracia brasileira, e de quanto é importante o nosso papel nela. Eu quero Aécio em 2018, eu quero uma oposição unida em torno de um país melhor, eu quero um PSDB mais plural e representativo, eu quero uma política perto das ruas. Mas eu quero, acima de tudo, que minha geração assuma o seu papel na história brasileira, liderada por pessoas de bem.
Tomara que não seja demasiado tarde. Muita coisa estava em jogo neste domingo e temo que os incumbentes não nos concedam outra chance…
“Se em junho de 2013 os jovens não tinham bandeiras concretas, não produziram um texto sequer, a culpa é nossa, pois não estamos dizendo nada aos jovens, não estamos lhes dando recursos para pensar. Nem ensinando a história, nossa obrigação mínima.”
Heloisa, eu falei para o Pesaro visitar escolas públicas nossas aqui em São Paulo. Ele acredita nas estatísticas de que a educação está bem aqui.
Eu gostaria muito de algum dia visitar algumas escolas com você para mostrar como estão. Está terrível. Você deve estar vendo a partir do nível de alguns alunos que recebe, se bem que é preciso aqui contrastar as escolas da periferia de São Paulo com as do interior do estado.
Aos 12 anos, quando meus pais perderam tudo, meu pai não pôde mais pagar o colégio particular. Senti na pele a diferença, com professores despreparados, com infra-estrutura ruim. Foi a primeira vez que soube o que era não poder usar um banheiro de tão insalubre que era. Foi a primeira vez que peguei desgosto por alguma matéria pois a professora nos obrigava a decorar (ainda bem que meu gosto pelos estudos me fez continuar lendo história por conta própria, mas no colegial os professores quase não apareciam para dar aula).
Temos que ir a campo e ver o cenário terrível que estão as escolas. Será que não conseguimos fazer algum projeto como esse aqui que vi em Israel, bastante alinhado com o que tinha em mente após ir a campo e ver como estava a educação de jovens na periferia ao redor da USP?
http://www.perach.org.il/perach/Templates/showpage.asp?DBID=1&LNGID=2&TMID=10000&FID=317
Ah, não posso deixar de comentar que na 7a e 8a série meu pai pôde colocar de volta num colégio particular na Vila Sônia. O nível era muito melhor que o público que estudei na Vila Morse, mas mesmo assim ainda tinha alguns professores com nível sofrível, como uma de desenho geométrico que eu e um amigo vivíamos corrigindo, graças a o Estadão ter feito uma coleção de diversas áreas do ensino fundamental e eu ficava lendo por conta o livro de matemática, então puder perceber os erros da professora. No colégio, técnico, os erros da professora de matemática persistiram.
Eu era melhor em matemática, consegui aprender por conta e gostava. Será que esses erros também não ocorriam em matérias que eu dava menos atenção?
E o Fernando Henrique disse que devemos trazer a classe média de volta para as escolas públicas. Eu acho isso muito importante. Poderíamos tentar falar com ele para ver se ele deixa registrado algo sobre isso. Como disse em outro lugar, respeito o Fernando Henrique, como estadista e político, diferentemente do seu sucessor.
Republicou isso em Prof. Fernando S. Dantas.