O dízimo do Rei Salomão!

Uma pessoa hoje por quem tenho muito simpatia falou de modo crítico do dízimo das igrejas pentecostais. Eu ando um pouco ressabiada com todas as críticas que se fazem aos protestantes. Quando eu era adolescente se falava em “crentes”, de modo um pouco condescendente, e alguém me explicou que os tais crentes eram membros de uma dessas primeiras igrejas pentecostais brasileiras, e que agora há outras muito maiores e o termo caiu em desuso. Também em desuso a condescendência, que se transformou numa crítica ácida e às vezes preconceituosa.

Expressei minhas ressalvas a essas críticas de modo muito polido, pois realmente gosto da minha interlocutora, e continuamos a conversa. Mas afinal, o que é o tal dízimo? Eu pago 4 mil reais por ano para ser sócia da Hebraica. Não é um dízimo? Recebo alguns preciosos serviços e tenho minhas obrigações. A reboque, vejo os amigos, fofoco, aprendo, faço um gisheft ou outro, compro alguns bens adicionais (almoço, café, etc.). Faço isso “religiosamente”, mesmo tendo uma piscina do lado de casa, a do Sesc, a quem pago um dízimo muito menor, diga-se de passagem.

Me dá prazer pagar a Hebraica. Uma vez perguntei se quem sustenta o clube é o sócio ou essas famílias endinheiradas da comunidade. O dirigente falou: O quê? Doações cobrem uns 5% dos custos e pronto. Quem paga tudo é o sócio, mensalidades, cursos, as concessionárias. Fiquei feliz, mentalmente disse pro Safra, que é sefaradita (de uma tribo distinta mas não inimiga), viu, quem sustenta a Hebraica sou eu.

De onde o orgulho?

Quem paga imposto no Brasil não tem orgulho. Pois vê viaduto caindo na cabeça do motorista, tabela do INPS (desculpe o anacronismo) defasada (nem preciso da desculpa, de tão defasada), professor apanhando de adolescente, enfim, como é que vai ter orgulho? Além da extorsão do montante de impostos, que nem o Afif consegue reduzir. Pra quem é assalariado, retenções criminosas na fonte que não são devolvidas depois de anos.

Mas quando a coisa é bonita, dá orgulho pagar do nosso bolso. Você sente que fez algo, que contribuiu. O imposto é isso, um dízimo. Uma coleta para um bem comum. O “imposto” ou dízimo mais bonito que já ouvi falar foi dos imigrantes judeus a São Paulo, que mal abriam as malas e doavam os livros para a sinagoga, onde todos podiam lê-los. Que são dois livros para uma família? Pouco. Que são duzentos livros para cem famílias? Muito. Dois livros são dois livros. Duzentos livros é uma biblioteca. Ou seja, é uma outra coisa.

Que eu faria de tão espetacular com 4 mil reais? Não sei. A Hebraica é um espetáculo. O poder público tem a obrigação de oferecer, com o que nos taxa, um clube como a Hebraica em cada bairro de São Paulo. Mas não faz. Quando o faz, que é caso dos Ceus (não conheço direito, só de ouvir falar), cobra além do dinheiro uma espécie de gratidão, de agradecimento. Vou te falar: adoro a Hebraica mas não sou grata a ninguém, pois eu contribuo com aquilo. Sesc também: eu pago impostos e aquilo é imposto meu e teu, nem vem.

Detesto político que diz que fez e vai dar. Não fez nada nem vai dar nada, infeliz. Você é funcionário do Estado, não é rei da cocada. (Propaganda eleitoral gratuita: Amei quando o Aécio disse que a gente ia se orgulhar do que íamos fazer juntos. Parceria, não benesse.)

Voltando ao dízimo: eles construíram uma réplica do Templo do Rei Salomão no Brás. Falando assim, é uma coisa absolutamente insólita. Sabe quando você está no seu devaneio, constrói coisas na sua imaginação? Bom, eu nunca reconstruí, no Brás, o Templo do Rei Salomão. Nem o Segundo Templo na Vila Nova Conceição. Não está no nosso imaginário. E daí que não está?

Pensando em termos formais (simmelianamente), o conteúdo é distinto, mas a forma é a mesma. Agregar as pessoas em torno de algo precioso que elas sintam como delas, para que se sintam pertencentes ao grupo e principalmente atores deste pertencimento. Ninguém é mais PhD em ser ator do pertencimento que o povo judeu. Passamos a vida pensando em como pertencer, quanto não precisamos pertencer para continuar pertencendo, de que forma pertencer quando não podemos pertencer, como fazer com que outros pertençam mesmo que não pertençam e assim vamos.

Te garanto: dessa ótica, o Templo do Rei Salomão faz todo o sentido. No Brás. Parece que entoaram alguns de nossos hinos na cerimônia, se faltou esse, aqui vai: https://www.youtube.com/watch?v=CciCfMz1MqQ. Mazel Tov!

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Uma resposta em “O dízimo do Rei Salomão!

  1. É isso. Construíram uma templo da forma como queriam construir. Os fiéis pagaram o dízimo porque assim decidiram.

    Quem é qualquer outro cidadão para decidir que um outro uso qualquer do dinheiro seria mais nobre?

    Pagar impostos é uma obrigação que todo cidadão devia fazer com alegria, porque é o dinheiro de impostos que sustenta uma sociedade mais ou menos ordeira. Sem perder o direito de reclamar que é uma liberdade constitucional, e sem a obrigação de tolerar abusos que não é dever de ninguém. Fora isso, o que é mais nobre do que construir igreja, comprar carro, gastar em pinga, ou fazer assinatura de pasquim comunista? Não sei, não quero saber, e tenho raiva de quem acha que sabe.

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