Meus dias de sabbatical 5: Shabat Shalom!

Dia 6 de junho.

Pensei num dia chuvoso ficar vendo a BBC e lembrando do heroísmo dos soldados aliados, pois a concentração era zero. Fico devendo a eles um dia de memoração.

O diretor tomou a brava decisão de convocar uma reunião da congregação para a segunda, que será o 19º dia de greve em Marília, começada no dia 21 de junho. Mas a reitoria, sem muito alarde, havia cancelado concursos públicos já no dia 29, o que nosso departamento só soube ontem. Os professores ficaram indignados, não entendi exatamente com o quê.

No que me diz respeito, sei que vão tentar jogar a carga didática extra nas minhas costas, mesmo tendo sido contra as greves e buscado dar aulas em todas elas, inclusive nessa, e estar em dia com minhas obrigações na pós, em pesquisa e extensão. Afinal, todos se “beneficiariam” com a greve, eles dirão, então o ônus é de todos, mesmo para aqueles que sabem que não há benefício algum nem para o ensino, nem para a sociedade, e nem para os professores enquanto assalariados com essas greves das universidades públicas.

E o pior será dar mais cursos, comprar livros, atualizar programas sabendo que os doutores da impotência atrapalharão os próximos semestres também, tornando o esforço inútil. Enfim, ossos do ofício.

Mas ontem eu mesma me dei um dia de greve. Ajudei a entupir a Avenida Rebouças para chegar ao clube, me sentindo culpada pelas sirenes de ambulâncias dos hospitais do entorno. Nadei na chuva, piscina quente, que é sempre bom. E passei a tarde com a grande amiga que vai fugir da Copa, falando de tudo, da família, do trabalho, das vantagens da ioga sobre a psicanálise, dos fantasmas do passado e das esperanças para o futuro.

De volta ao clube, com o resto de tarde, organizei algumas coisas com alunos, tarefas a fazer, procurar journals para publicar, e ouvi a cantoria da sinagoga. Resolvi dar a semana por encerrada, entrei na sinagoga e rezei. Descobri que a Hebraica é um único lugar em que não me sinto fazendo teatro numa sinagoga. Dei graças a Deus por minha religião não me exigir a fé, me aceitar atéia como sou. O rabino se aproximou e disse: “mas vai chover, você aqui”! Eu respondi que sou uma judia observante, que não há razão de surpresa.

Havia uns alunos da Puc de um curso sobre judaísmo, pastores que querem se aproximar do povo de Deus. Eu os olhei como sempre olho, com aquele curiosidade que tenho sobre os que são curiosos sobre mim. Um deles falou: “há muitos cursos sobre judaísmo na cidade, mas esse é bom pois a fonte é segura, é com um judeu!” Pensei que o haviam engambelado com o essencial do judaísmo, pois apenas a Torá é segura, o resto são todas interpretações frágeis que fazemos inseguros e temerosos, mesmo que os outros sigam (marxistas, freudianos, etc.) nossos infantis palpites.

Expliquei isso com algumas piadas, eu os fiz rir mas não sei se compreenderam o tamanho de seu engano. Mentes mais brilhantes não o fizeram. Não importa. Fenomenológica e pragmática, o que vale é o efeito das coisas, e a cantoria me fez entrar num estado de espírito mais profundo. Tive uma idéia para um conto, uma ficção, o que fazia tempo que não acontecia, que vou escrever agora. Shabat shalom!

9 de junho

Pouco a contar. “Errands”, como dizem os americanos. Encanador desentupiu a pia e foi ver o escoamento de água no jardim. Aula excepcional da Renata Mello, eu fico até mais animada depois, é incrível. Mexe mesmo com o corpo e com a mente de um jeito muito profundo. Escrevi texto no blog sobre a Copa. Enviei emails, lavei a louça acumulada e cozinhei. Em suma, afazeres pessoais.

Sobre a greve, ao longo do fim-de-semana entendi que o corte de contratações é por causa da situaçao financeira em si. Essa reitora parece ter um jeitão mais independente, vamos ver. De modo geral, a universidade deveria estar dando respostas aos problemas do Brasil, e não agindo como condutores de metrô, a quem respeito muito mas que não tem os recursos nem tempo para pensar sobre administração, gastos, tendências internacionais, etc., etc., como nós. A greve deles atrapalha mais, mas a nossa nos dá mais vergonha.

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