Em 1988, eu apoiei uma greve na USP como estudante de graduação. Fui até o Palácio dos Bandeirantes, tive que fugir dos cavalos do Quércia, não entrei na aula do Paulinho de Brasileira que eu adorava, enfim, um sacrifício. Depois da greve, os funcionários – como eu era ingênua – não queriam mais discutir os caminhos da universidade, apenas se preparar para a festa de fim de ano.
Obviamente, foi a última greve da qual participei. Na New School, quando teve uma greve de fome dos alunos da graduação, a única coisa que reivindiquei foi uma conversa com os professores. Aí pedimos isso e aquilo e o Vidich deu sua resposta memorável, que já contei no blog: “Leiam o que nós escrevemos para ver se vocês não estão pedindo mais que podemos dar.”
Foi o fim mesmo de qualquer luta reinvindicatória. Eu digo para os alunos lerem o que nós escrevemos, mas eles não compreendem, pois é preciso uma certa maturidade para entender o ensinamento do Vidich. Quem já conversou com um reitor brasileiro entende o que eu estou falando: os que conhecem os próprios limites são os melhores…
O patético da greve da USP de 1988 (ou outra, as coisas se embaralham) foi um discurso de um líder estudantil da FEA, que disse que era contra a greve, mas que por conta da greve muita gente não ia vir à faculdade, então ele era a favor de não termos aula, mesmo sendo contra a greve, para não prejudicar ninguém. Eu ri muito desse discurso tortuoso, te digo. Mas agora vou engolir cada risada, pois é exatamente nessa situação em que me encontro.
Sou contra a greve, por razões que já coloquei no blog inúmeras vezes. Os problemas da universidade tem a ver com a burocracia impermeável, a falta de transparência nos processos administrativos, a ideologia retrógrada que emperra qualquer inovação, objetivos acadêmicos muito pouco claros que resistem ao produtivismo mas não botam nada no lugar, e outras questões ainda. Mas não é falta de grana, pois grana tem, do setor público e do setor privado, sedento por colaborações.
Agora, a verdade é que não dá pra dar aula sem campus nem alunos. Então fazer o quê? Botei minhas propostas de reformas à disposição da universidade em inúmeras ocasições, propostas que trariam dinamismo, canalizariam insatisfações. Mas dar murro em ponta de faca eu não vou dar nesse ano. Então, como meu ironizado colega, sou contra a falta de reajuste, mas acho que a culpa é da própria universidade que não exige transparência e consequente co-responsabilidade; sou contra a greve como forma de manifestação, mas não vou ao campus dar com o nariz na porta.
Não sei como é nos outros campi, mas em Marília a questão não é apenas “dar com o nariz na porta”. A faculdade está tão abandonada que há um clima de medo entre professores e estudantes que buscam continuar suas atividades. Então, em termos práticos, vou aguardar trabalhando em casa até que haja coletivamente o desejo de voltar ao campus e retomar atividades, ou para atividades específicas que exijam minha cautelosa presença.
Na semana que passou, por exemplo, fui atender a alunos que porventura viessem. Na graduação, ninguém. Na pós, dois alunos vieram, cheios de idéias e perguntas, foi muito produtivo como sempre é. Houve uma reunião do conselho de ética na pesquisa, onde aprovamos dezenas de pareceres, de pesquisadores que não podem ficar parados. E uma defesa de monografia muito agradável, sobre jovens no Grajaú. Foi o que se chama de wrap-up.
Ao final, os colegas que estavam lá se despediram como se estivessem entrando em longas férias, com promessas de manter contato e de realizar, à distância, alguns projetos comuns. Não pensem mau de nós, esses poucos presentes resignados com a situação. Eu carreguei todos os meus livros, e trouxe para casa, onde espero nos próximos meses trabalhar muito. Não estou jogando a toalha na minha primeira greve. Esse é apenas a última de muitas, e o silêncio que encontrei na quarta pela manhã – silêncio sepulcral sem exagero – reforça minha expectativa de que essa greve será longa e que qualquer movimento contrário será inútil.
Ao contribuinte, peço desculpas por minhas ausências ao local de trabalho, com a promessa de continuar na labuta em casa, entristecida mas com a consciência limpa pois qualquer coisa distinta disso seria, como disse, no mínimo inútil. No momento em que a faculdade retomar as atividades, retorno ao campus.
Um toque pessoal: mesmo sabendo que a greve seria decretada, eu me entristeci quando soube, na quinta-feira da outras semana, se não me engano. Refletindo sobre isso, a conclusão que cheguei é que vou sentir saudades dos alunos, essa coisa difícil de definir, “os alunos”. Não são apenas os que vem nas aulas e fazem perguntas. Às vezes converso com eles, na minha cabeça, mesmo sobre assuntos sobre os quais não leciono. Sobre Israel, por exemplo.
Sim, as aulas são minha identidade, é de entristecer que um movimento sindical qualquer me roube quem sou. Mas não é isso apenas. É esse diálogo silencioso, esse interlocutor que adotamos como nosso, e que faz parte do meu dia-a-dia, estando em aula ou não, que parece morrer, por decreto, quando uma greve, mais um greve, começa em uma universidade.
Não pensem MAL. Né?
Qdo o new york times me pedir para publicar eu corriju.