Pensei um pouco mais sobre o horário gratuito, mais uma herança ditatorial que recebemos sem questionar, como a mudança de nome do país. Qual a importância hoje desses espaços?
Durante a ditadura, provavelmente tinham a função de “dar pinta de romano”, ou seja, fazer o papel que a imprensa livre faria de divulgar as propostas dos candidatos sem eleições livres nem imprensa livre. Seria interessante estudar isso, como as pessoas na época usavam ou não essas informações tão reguladas.
Eu vivi o período da redemocratização, não tenho muita memória da propaganda eleitoral. Tenho sim dos debates, do Ermírio quase saindo no tapa com o Maluf, era aí que os cidadãos se revelavam. Acho que lembro também de Montoro e Lula para governo de São Paulo, pode ser?
Já do horário gratuito, eu lembro ainda no início dos anos 1980 meu pai nos chamando para ver aquele maluco na TV, que era o Jânio Quadros, ele falava, meu pai imitava, era uma lição do que a política não devia ser, uma enorme piada sem graça.
“Impresso em Moscou, em Português.”
Solo ele era uma piada sem graça. No debate, uma total nulidade.
Recapitulando: durante o regime, uma farsa. Depois, uma piada.
Agora, que papel tem? É um modo de, em primeiro lugar, sustentar a indústria de vídeos bestas estrelados por homens de meia-idade com fartos implantes de cabelo e poucas idéias na cabeça. Mas além do óbvio, o que é?
Para os grandes partidos, uma economia de $. Só. Pois eles teriam verba para comprar tempo de TV. Para os partidos minúsculos, uma maravilha, mas apenas para aqueles que não incomodam os grandes partidos. Se apresentarem algo que remotamente pode ser mesmo no longo prazo talvez uma pequena ameaça ao status quo, por via das dúvidas é melhor barrar. Então não tem função de garantir pluralidade. Não tem.
Para o debate público, uma tristeza. Como na época de Jânio, o horário gratuito é pobre, e hoje tira dos candidatos a necessidade de participar de debates televisivos ou interações com internautas. Pois os candidatos, ou uma versão deles em Photoshop, está disponível na TV. É um tampão. Não digo “como na ditadura”, pois nada é como na ditadura. Mas é uma função análoga. De fazer as vezes de algo que não há. Ou, no caso atual, que há mas não na medida necessária.
O horário tira do cidadão comum seu tempo reservado para a política, que se reduz a ouvir as platitudes ditas em rede nacional, e depois tirar sarro das mesmas platitudes. Jânio, e não Montoro. Duda Mendonça, e não Ermírio nu e cru, revelando-se em embate. A farsa, e não a necessária representação da política, teatral, interessante, incerta da democracia.
Por isso, sou contra o horário gratuito em seu todo. Mesmo com a atual novela da Globo, sou contra. Que ninguém tenha questionado isso no passado, nem o caçador de Marajás nem o neoliberal da Sorbonne nem o operário contra a zelite, só mostra que nós ainda nos deleitamos com nossa herança ditatorial (ou patrimonial), apesar de todas as comissões que há.
Patrimonial. É mais um fenômeno do patrimonialismo, que a ditadura e a democracia ambas incorporaram.