Um shopping em Belém

Contrastam, em Belém, as ruas escuras com calçadas muito precárias, perto da praça da República, sem viv’alma a quem pedir uma informação nem restaurantes ou cafés onde sentar, com o Shopping iluminado de cor branco-azulada, repleto de gente, tendo ao meio um gigantesco símbolo natalino de dois andares. Não é conceitualmente distinto de nossas ruas em São Paulo ou no Rio, menos cuidadas que mereciam, repelindo suas gentes para os seguros e bem cuidados shopping centers. Mas em Belém a intensidade do contraste chama a atenção e faz pensar. Por que tanto investimos nos shoppings, e relativamente tão pouco nas ruas? Nós eu e você que fazemos compras. Nós BNDES que draga recursos públicos para erigir esses monstruosos prédios. Nós lojistas que nos deixamos levar pela ilusão da segurança e pela realidade do fluxo de gente. E, finalmente, nós empresários de shopping, que vão lá e metem as caras em investimentos lucrativos e certos.

Mas e quando a segurança falha, quando as câmeras e walkie-talkies não bastam? Aí chamam a polícia para descer o cacete. E levam a discussão para o cacete também, para a “luta de classe”, o preconceito da zelite, e coisa e tal, mesmo que tenham sido jovens e funcionários de classes média ou baixa as vítimas das confusões. Mas a discussão mais interessante seria aquela em torno da relação entre público e privado. Ou esses monstros urbanos (que eu frequento também) são públicos, ou são privados. Ou são lucrativos (e não precisam de financiamento público) ou precisam mostrar que são úteis socialmente, o que me parece difícil. Ou cuidam da segurança privadamente, ou devem ter suas regras submetidas às leis do país válidas para espaços públicos. E, se aceitarem a presença do público em suas dependências, devem tratá-lo com respeito ou aumentar bastante os gastos com as firmas de advocacia, pois os processos virão e eu particularmente espero que sejam bem custosos e estridentes.

Claro que é difícil manter tudo isso em equilíbrio. Difícil estar aberto ao público e manter a ordem. E para manter esse equilíbrio difícil é que temos polícia, leis, imprensa livre, etc., essa coisa enfim chamada Estado a quem pagamos tributos. Mas os shoppings (e nós) acharam que dava pra escapar desses dilemas. Até agora, os shoppings venderam, acima de tudo, a ilusão da convivência com segurança, cobrando uma taxa de todos nós, inclusive, por meio de subsídios, dos que não podem frequentá-los. Ao invés de termos o trabalho de encher a paciência do nosso vereador, a quem vemos como um medíocre, um fracassado a quem não resta nada a não ser a falcatrua, e com quem não queremos ser vistos em público, íamos ao shopping pois lá tudo é cuidado, até os banheiros. Podíamos mijar serenamente sem nos imiscuir na política.

O que vão fazer exatamente os donos de shopping e as autoridades públicas eu não sei. Espero que seja algo minimamente racional e respeitoso aos frequentadores do shopping e ao contribuinte que paga os impostos, que não pode financiar uma segurança especial a um estabelecimento privado, em detrimento das ruas verdadeiramente públicas e dos lojistas que dão dinamismo ao espaço urbano, abrindo suas portas às ruas. Mas o que devíamos fazer todos nós é exigir do poder público ruas iluminadas, calçadas decentes e policiadas, e vigilância sanitária e inspeções de segurança em estabelecimentos comerciais. Aí pedestres e lojistas poderiam oferecer e se beneficiar do que há de melhor nessa cidade, mesmo que ela esteja, às vezes, aquém do nosso ideal, que certamente não é um Papai Noel de dois andares, banhado em luz azul e refrescado pelo ar condicionado.

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