Aqui vai um guia das coisas que curti em Belém e em Marajó. Não que vocês estejam todos loucos para ir para lá amanhã, mas vai que alguém busca no Google “Belém” e “Marajó” e acaba dando com esse blog.
Devia até escrever em inglês. Vou botar: If you need this info in English, please let me know.
Em primeiro lugar, não deixe de ir ao museu do Forte. É uma exposição pequena e excepcional, com cerâmica marajoara, objetos interessantes e uma excelente explicação sobre os povos indígenas da região e seu encontro com os europeus. Só falta o catálogo do museu. Contornado o Forte e atravessando uma praça, vá ver uma espécie de monumento aos Jaders Barbalhos, do presente e do passado, que é como vi o palácio do governador. A construção é interessante, e o museu, sem refrigeração nem curadoria, explica melhor as contas públicas desse país do que qualquer dado aberto. Não vi todos os museus que aparecem no guia, então mais não posso dizer. A explicação sobre Cabanagem é razoável, ao menos para lembrar dos fatos principais e dar vontade de ler mais, pois parece ser um movimento bem representativo de nossos dramas sociais.
Como tinha que trabalhar bastante, passei um bom tempo no restaurante da Casa das 11 Janelas, que recomendo com segurança, pela vista espetacular e temperatura agradável mesmo sem ar condicionado. Tem internet que não funciona e, tomara, lugar para carregar que funcione. Parece que é caro para comer, mas o sorvete é um espetáculo.
Comer barato? Mercado Municipal (ou Mercado das Carnes), tudo nesse centro velho perto do Forte. Amei. Você pede um peixe ensopado, escolhe os acompanhamentos e custa uns 8 reais apenas. De lamber os beiços. Com lugar para sentar na sombra, dá pra ler mas não trabalhar, pois é quente. Lá também há duas lojinhas que valem a pena: uma vendendo objetos indígenas (mesmo, do Xingu: Loja de Artesanato Associação Indígena Asuriní Awaeté) e outra vendendo artesanato, decorativo e utilitário.
O Mercado Municipal é do lado do imperdível Ver-o-Pêso, com produtos da região, peixes, ervas, o que você imaginar. Um feirão. E do lado a Estação das Docas, que tem internet pública que não funciona e a dos restaurantes, que são caros mas funciona. Tudo isso está nos guias, nada muito original. No Mercado Municipal não vi muitos turistas, é o povo de Belém que come lá mesmo.
Acho que o que fizemos de especial foi ter ido a Soure, em Marajó, de uma balsa que sai de Icoaraci. Mas há balsas que saem de Belém também, e talvez barcos mais rápidos, não sei. A viagem durou 4 horas, a ida foi agradável, dá tempo de pensar na morte da bezerra, de conversar com gente da região e com seus parceiros de viagem como se estivesse suspenso no tempo e no espaço, num “outro espaço” como diz Foucault. Já a volta, ouvindo programas de crimes num lugar desconfortável, gelado e lotado, não foi tão gostoso. Acho que vale a pena se informar antes se a balsa é grande, e levar coisas para comer ou beber, pois a vista é bonita mas a lanchonete é lamentável.
Ficamos numa pousada cuja vantagem era estar no rio, onde podíamos nadar ou andar de caiaque. No mais, foi uma roubada; a pousada não era ecológica; apenas tinha sido construída nos anos 1980 e desde então não tinha visto muita manutenção na parte elétrica e hidráulica. Quando o sono fica mais leve, lá pelas 5 ou 6 da manhã, o barulho do ar condicionado te acorda e você pode aproveitar bem o amanhecer. Se for ficar lá, peça informações a alguém antes sobre os perigos do rio: quem me alertou foi o fornecedor de abacaxi da pousada, que viu meus amigos sem colete salva-vidas no rio e quase teve um treco.
Sugiro então ficar na cidade de Soure mesmo, e quem sabe alugar essa outra pousada para um dia no rio, algo assim, ou almoçar lá um dia. Combine antes os preços pois os donos enfiam coisas na conta sem avisar, e não gostam muito de emitir nota fiscal. Para ficar na cidade, adoramos o Casarão da Amazônia, que tem além do hotel pizza em forno a lenha, massas boas e simples, super gostoso! É um sobrado reformado, e nas paredes há fotos do prédio antes e depois da reforma, trabalho super bacana. E tem internet!
Para passeios de barco, vá com toda a confiança com o Gedilson, inclusive com crianças. Rapaz inteligente, esforçado, sereno e conhecedor da região. Adoramos. Um dos membros do nosso grupo resolveu pular no rio no meio do passeio, só que ele pesava o mesmo que as duas adultas do grupo e não subia de jeito nenhum. O Gedilson e seu colega mantiveram a calma, e rebocamos o sujeito sem problemas até o pier. Brincadeira, não rebocamos ninguém. Eles levaram o barco até à margem, e lá o homem foi mais facilmente içado à bordo. O Gedilson também faz passeios pelo mangue, para ver animais selvagens, se nós o tivéssemos conhecido antes teríamos feito mais passeios com ele.
Quem nos indicou o Gedilson foi a Drª Eva, conhecida fazendeira da região com mil histórias para contar. Ela foi professora da universidade rural (federal ou estadual, mas com certeza pública), uma sumidade em búfalos mas a certa altura resolveu cuidar da fazenda da família. Nós realmente gostamos muito dela, e pretendo escrever mais sobre ela em outro post. Aqui, basta dizer que ela faz passeios pela sua fazenda, ama as crianças, ama a natureza e recebe todos de um modo muito especial, muito caloroso, imperdível. Havíamos tentando fazer um passeio em outra fazenda antes, e não deu certo, não fomos bem atendidos.
(Não é sempre fácil se comunicar com os paraenses, aliás. Você tem que fazer um esforço para entrar no ritmo da linguagem, na lógica dela, e às vezes não consegue. As meninas devem fazer um esforço redobrado, pois tive a impressão de ser um lugar bem machista, onde o que as mulheres falam não tem lá muito peso, e lá no Sudeste nós já desacostumamos a sermos desconsideradas. Para dicas mais objetivas, sobre segurança, veja nos guias e vá perguntando.)
Na fazenda da Drª Eva, Fazenda Bom Jesus, vimos muitos pássaros, gaviões, aquele pássaro vermelho que esqueci o nome – guará! -, enfim, uma experiência. No Mangal das Garças, em Belém, você até vê mais pássaros, é muito bonito (e o restaurante é excepcional!), mas é uma coisa artificial. Há algo mágico em ver o mangue mesmo, em avistar um pássaro, ouvir os macacos gritando ao longe, é realmente imperdível. A Drª Eva também conta coisas do pai dela, experiências de quem construiu um país. Ah, e há uma pequena capela que com as explicações da Drª Eva até arte sacra fica interessante!
(A Drª Eva me lembrou muito o jeito de minhas tias do Rio, talvez até pelo nome; tia Eva era a tia querida do meu pai e seus irmãos, e eu mesma tenho o privilégio de ser sobrinha da queridas Genny, Janette e Doquinha. É um modo acolhedor da curiosidade da gente, que com alguns gestos já indica que tudo o que perguntarmos será bem vindo. Então logo no começo da visita, pensando com meus botões que aquela mulher não podia ser outra coisa que não judia ou “turca”, perguntei sutilmente: “Drª Eva, e sua família, é daqui mesmo?” Foi o que bastou para falarmos de nossas origens! A família dela é do Líbano; não errei.)
Eu se fosse para Soure hoje ficaria no Casarão do Amazonas, e combinaria com a Eva e o Gedilson os programas todos. Ah, na cidade visitamos uma loja de artesanato, onde fomos também muito bem atendidos, com três descendentes de índios dando explicações sobre as peças, sua cultura, tudo. E tratando bem as crianças! Ganhamos amuletos de presente, mas não posso mostrar para ninguém a peça. Cada cultura com sua mishigás; nosso amuleto a gente bota logo no batente da porta! Fomos na praça à noite fazer “footing”, achamos um pouco melancólico. Em geral, não achei o paraense muito exuberante ou comunicativo. Me lembrou um pouco o Peru.
Sobre a cerâmica, o mais espetacular mesmo é a cerâmica do museu do Forte. Comprei umas coisinhas na Feira de Icoaraci, que são versões inspiradas nos achados arqueológicos, mas os vendedores nem sabem o que estão vendendo; parece que os artesãos mesmo ficam a algumas quadras dali, pode ser que valha a pena ir ver. Há em Belém um local que também vende artesanato, do lado da rodoviária, não tive tempo de ir. Aliás, a rodoviária é tétrica; estivemos lá para comprar as passagens da balsa. Se você não estiver de carro, talvez o melhor seja comprar a passagem na hora para evitar a ida à rodoviária. E olha que eu conheço rodoviárias!
Em Belém, fiquei no Grão-Pará nos dias que estive sozinha, achei o preço justo para o hotel, que não tem comodidades mas dá pra dormir direito. A internet pega no corredor, o café não é muito bom, e a saboneteira do box foi pregada ao contrário, de modo que o sabonete escorrega todo o tempo e você fica se sentindo meio idiota até entender a razão. A melhor coisa do hotel é estar na Praça da República, perto do centro velho mas numa área um pouco melhor. Recomendo. Com os amigos, fiquei num hotel afastado, com piscina, que só faz sentido se você estiver de carro. Aliás, praças é o que não falta em Belém. À noite, fui uma vez numa praça na Serzedelo Corrêa cheia de gente, com show, vendedor de coco, bem legal.
Quem me indicou o Grão-Pará foi um judeu paraense que mora no Rio, que foi super gentil, escrevendo um longo email sobre sua raízes nortistas. Achei que outros compatriotas me dariam mais dicas ou até abririam um tempo na agenda para tomar um café comigo aqui, mas no Face recebi apenas um “Aproveite Belém.” Mentira: um senhor me levou para o jantar de Shabat na casa de sua mãe, depois dos serviços de sexta-feira, logo quando cheguei. Então conheci poucos locais; a Dr. Eva, o Vidal e esse sefaradi cujo nome agora me escapa, basicamente, e o Gedilson, um pouco menos.
O Pará não é um lugar onde você vai e deixa a vida te levar, vai conhecendo gente na rua que vai te indicando lugares e te chamando em casa. Acho que precisa fazer roteiro, buscar coisas. É um lugar de amuletos escondidos, sem um Cristo Redentor escalafobético nem mezuzás coloridas e reluzentes pra quem quiser ver. O jornal também não diz muito, é mais um boletim oficial sem significado. O verdadeiro Pará não conheci. Mas não importa. Eu vim aqui ver um verdadeiro amigo.