Foi muito interessante ontem na Hebraica. Batendo papo com dirigentes da fila da votação descobri que o clube é mantido essencialmente pelos sócios (dois terços mensalidades de 2100 títulos e um terço pagamento de atividades), sendo a ajuda de grandes doadores marginal, em torno de 5%. Essa ajuda fica visível pois é o pessoal das placas, mas o clube é grato mas não depende dela. E há também os patrocínios, mas os patrocínios são bons tanto para uns como para outros.
Votei, além dos nomes que já tinha, num “pessoal jovem”, que nunca faz mal num conselho. De criativo, a filipeta de um sefaradi: uma nota de 105 dólares com seu nome e foto. O que também me fez pensar no clube e no modo como ele se organiza.
Em alguma eleição passada fiz questão de votar em laicos, pois me assustava a presença cada vez maior de coisas casher, recrutamento pra tefelim e tal no clube. Mas foi intolerância minha. O que aconteceu com os restaurantes casher? Um deles acabou virando não-casher, pois fechar no sábado gerava um prejuízo maior do que o ganho com seguir os mandamentos dietéticos.
O outro casher, o principal, a Hebraica abriu uma porta direto para a rua. Ele fica então metade no clube e metade fora; se o sócio quer entrar precisa botar uma pulserinha de entrada. Também um outro restaurante fez isso, um tipo de kilo super chique, para servir o pessoal do escritório de advocacia ao lado, na Rua Hungria. No kilo chique vão os advogados e advogadas chiques, é visível. Mas outro dia uma amiga falou: “Estou adorando esse casher, com esse pessoal de escritório aqui.” Mas eles não vão no outro? “Não, lembra como era aqui? Duas mesas de religiosos nos olhando feio e nós.” É verdade, o casher anda cheio. Olhei à volta e me espantei: Essas pessoas não são sócias? “Não, olha bem.”
A questão da Hebraica é manter o clube funcionando, sendo relevante para a comunidade. Então é preciso aumentar a receita com eventos e outras estratégias. Outro dia teve um concurso de Miss Coréia no teatro Arthur Rubinstein, por exemplo. Minha amiga foi, pois a filha queria ver. E os velhinhos todos foram também, pois queriam ver o concurso. Isso é a Hebraica. É meu clube.
Meto o pau, claro. Outro dia estavam podando árvores sem equipamento necessário e aprontei um escarcéu real e virtual. Quando fui voluntária nas Macabíadas quis chorar com um dirigente argentino arrogante e incompetente. Mas que teve a grandeza de nos agradecer pessoalmente quando as cartas dos visitantes chegaram, todas mencionando a atenção dos voluntários.
Sobre os políticos candidatos, ainda não sei a razão. Ainda acho que alguém deve pedir para botar os nomes deles nas listas, para dar visibilidade. Mas parece que é também para “auferir popularidade”, segundo ouvi. De toda a forma, parece que nunca vão nas reuniões do conselho então não votei neles pois eu de fato uso o clube e quero gente que participe.
Também descobri que tem gente que quer trazer mais transparência para as contas do clube, tem gente mais receosa. Mas isso em todo lugar, é normal. “Imagine se for tudo aberto, com tantos judeus, o caos que vai ser”, disse o dirigente, se referindo à infinidade de críticas e propostas que emergirão. Ele mesmo é dos que querem transparência, mas já se “brace for impact” diante da possibilidade.
Então é isso. Se eu desse aulas em São Paulo já teria indicado a Hebraica como objeto de pesquisa para muitos alunos, pois o clube é um laboratório social muito interessante, de confluência de culturas e adaptações. Um exemplo de lugar onde os princípios estão em diálogo com a realidade e pode-se comer um bom casher sem ser olhado feio por ninguém.
Para Jacques Attali e nosso colega sefaradita, esse mix de ideologia e tolerância é mediado pelo dinheiro, que não nos envergonha nem deve nos envergonhar. O dinheiro relativiza, dá a dimensão correta a nossas crenças, quantifica a realidade. E desta forma abrimos as portas para nos mantermos de pé. Que a Hebraica seja sempre esse refúgio urbano para todos os judeus paulistanos e seus tantos amigos na cidade e no mundo.