Uma aula de ética docente

Minha primeira aula de ética docente eu tive com um professor da Sorbonne. Não, eu nunca fui à Lutécia. Mas tive essa aula, digamos, à distância. Foi assim.

Um dia meu pai falou dele, que frequentava o noticiário político, com um suave desprezo, um asco introspectivo. Não era o ódio que tinha ao Geisel, “aquele alemão desgraçado, que negociava com o Gerdau em alemão no gabinete do palácio do planalto”, meu pai dizia exaltado, como se fosse um sacrilégio falar alemão no gabinete do palácio projetado por Niemeyer ainda maior que esvaziar os cofres públicos.

(E aqui fica registrado mais um ponto ao governo brasileiro, cujos piores governantes foram ocupados por pessoas que não nos inspiram mais nenhum sentimento muito forte. Quem lembra do Geisel?)

Era um sentimento mais perto de nós, como se ele mesmo, meu pai, pudesse ter feito, em outra situação, irrefletidamente, o que o professor fez.

Meu pai dava aulas na arquitetura do Mackenzie. O professor, na USP, do outro lado da Maria Antônia. Meu pai e outros professores foram falar com a reitora do Mackenzie, a Esther de Figueiredo Ferraz, pedir a ela que acalmasse os ânimos dos alunos do Mackenzie “porque pode acontecer uma tragédia.” Ela não deu bola. Mas o asco do meu pai não era dirigido a ela, não sei por que. Talvez por ser de direita e o que se esperava da direita naquele tempo?

O asco era dirigido ao professor, que enquanto meu pai tentava jogar panos quentes, incendiava as almas. E depois não foram só as batalhas na Maria Antônia, eram vidas, vidas de jovens, ele disse. E assim acabou minha aula. Aprendi que as palavras que lançamos podem virar coisas sérias no mundo real. Que não se jogam alunos na rua por lutas que são nossas.

E vou dizer a vocês que não me manifesto, não influencio? Seria mentira. Mas quando vejo que passei do limite conto essa história e lembro aos alunos e a mim mesma que cada geração deve arcar com as suas próprias decisões. E que do lado de fora da sala de aula há uma Maria Antônia repleta de conflitos e que posso mal e porcamente preparar alguém para eles, mas não dizer se a luta vale a pena ou de que lado se deve ficar.

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