A turma da noite já foi um pouco diferente, havia perguntas. Uma moça entrou na faculdade querendo saber se, afinal, Deus existe. Outro queria saber até que ponto as idéias determinavam o comportamento e a vida das pessoas. Um aluno tinha perguntas sobre tudo, mas não sabia destacar uma. Uma moça queria entender por que as pessoas são tão distantes umas das outras e outra queria entender a razão dos conflitos. Um rapaz queria entender por que os jovens não se organizam quando parece óbvia a necessidade de fazer isso, ao passo que uma moça queria entender como é possível que os jovens se organizem.
Uma moça me garantiu que não tinha pergunta alguma. Ela tomava ao mundo como dado, e entrou na faculdade sem perguntas, segundo ela. Algo não me convencia, parecia muito segura da sua falta de questões. Quando a pressionei mais, ela disse: “na verdade, entrei na faculdade porque achei que assim ia ser mais fácil fazer intercâmbio. mas não tinha uma pergunta.” Ora, eu disse, intercâmbio é querer conhecer o mundo. Me fale mais.
Ela: “eu quis aprender línguas. Isso porque um dia veio na minha cidade um iraniano, e eu queria perguntar coisas para ele mas precisava fazer isso através de outras pessoas. E eu queria entender a vida dele, contada por ele. Então quis aprender línguas.” Então ela não tinha perguntas. Apenas queria saber como era a experiência das pessoas que vivem em lugares distantes de nós e falam outras línguas. Só isso.
E assim encontramos uma pergunta, e não me digam que a aula é banal pois no mesmo dia me aparece na sala um jovem terminando o mestrado que tinha acabado de se dar conta da pergunta que tinha na vida! Pergunta aliás muito útil que eu espero que ele responda, pois tem repercussões importantes. E assim começou esse curso, agora em meados de outubro, e digo que começou bem.
Digo ainda, sem receio de ser piegas, que é isso que quero ser, professora, e que é isso que quero fazer, ajudar as pessoas a fazerem perguntas, e mais que isso: é essa disciplina que quero dar, para o segundo ano de sociais, e quero saber que perguntas têm e nesse meu querer saber quero “ajudá-los”, consciente dos limites dessa ajuda.
Na reunião do departamento, antes de jogarem o curso no meu colo, uma colega disse que no passado a Ethel é quem dava o curso e precisávamos de alguém como ela, e não digo nem que isso foi anti-semitismo nem deferência à professora baiana que deu esse curso antes de mim. Apenas me parece que a Ethel, com sua delicadeza e sua fala acolhedora, dava bem esse curso, e que agora é hora alguém de ocupar seu lugar.