Meu irmão que me ajude aqui nos fatos pois minha memória alcança no máximo 1937, no enterro de meu avô, quando meu pai e meu tio foram deixados em casa na companhia de empregadas e do cheiro nauseante de flores. O resto só sei de ouvir contar.
Pois quando o Brasil entrou na I Guerra, ou quando essa foi declarada, lá por 1914 ou uns anos depois, os brasileiros ficaram indignados com os alemães. Ah, se ficaram. Então lhes deu na telha entrar na tipografia do meu bisavô e empastelar tudo. Meu bisavô não era brasileiro.
Pode olhar no Google, ele pediu a naturalização mas não deram. Por que deram para o meu avô e não deram para o meu bisavô eu não sei. Não deram. Meu avô, coincidentemente, lutava do lado dos alemães na guerra onde empastelaram a tipografia. Mas obteve a cidadania.
Dränger. Aí – isso estou meio inventando, meio tendo uma vaga memória de minha mãe contar – ele tirou o trema. Tipógrafo, podia botar ou tirar trema de onde quisesse, quem ia reclamar? E, em Mil Novecentos e Bolinha, quem ia ler, quem ia saber o que era um trema?
Isso era antes do Ciência sem Fronteira, antes do Mobral, antes de tudo. Quem sabia ler? Agora, para entrar numa tipografia, ver um nome assim meio estrangeiro e empastelar tudo, já não é tão complicado.
Acho que o Moacyr tem uma história de um sujeito que já fechava a loja quando uma notícia mais em negrito aparecia no jornal. Não estou copiando nada; apenas relato uma experiência comum. E se copiasse, o Moacyr sendo quem era não se importaria, tenho certeza, êta bom coração.
Que seja pelos vinte centavos, que seja por “tudo o que está aí”. Não sei. Só tenho uma certeza: vão me empastelar a tipografia.
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Uma história anexa, inspirada por ter subido ontem na escada alta e fuçado no guarda-malas empoeirado da Martinico, uma coisa alta e funda onde um imigrante ilegal poderia bem passar um ano dormindo entre um turno de 14 horas e outro, é a do meu pai na época da ditadura. Pois uma vez uns conhecidos comunistas lhe pediram para guardar umas armas lá no apartamento. E ele disse não. Ainda bem, né?
Foi depois da batalha de Caporetto. Os italianos levaram uma sova dos austríacos, mais precisamente dos alemães. Daí os italianos vieram fazer arruaça na frente da tipografia do bisavô Dränger. Ele ficou na porta segurando uma garrucha que deve ter vindo lá do tempo em que eles moravam no sul, e os arruaceiros se dispersaram. Depois por via das dúvidas ele tirou o trema do nome.
A batalha de Caporetto em si é reveladora. O exército italiano foi arrasado pela habilidade tática dos alemães. Para os alemães foi uma brilhante vitória de Pirro, porque depois da batalha não tinham como manter as linhas de suprimento. Então os reforços franceses destruíram o exército austríaco. Mostra diversos temas que para bem ou mal se repetiram na 2a guerra: a completa incompetência da liderança italiana, quanto mais alta pior; e a estratégia militar localmente brilhante e globalmente estúpida dos alemães.
O vô Leo estava no Leste, lutando contra os russos.
Maravilha, isso é que memória!
Um tipógrafo tirar o trema do nome também é genial, não?
Para arrancar uma trema sem piedade, tem que dominar a língua, e a tipografia. Não imagino que ele tivesse qq afeição especial à grafia germanizada.
Falando em tipografia, tem uma gralha na data na 1a linha.