Revi recentemente a anti-novela “Corpo Estranho” (http://www.teatroparaalguem.com.br/peca/corpo_estranho__primeira_temporada_), projeto mais bem-sucedido do Teatro para Alguém, idealizado pela minha grande amiga Renata Jesion, com quem já colaborei em “Lig-Luba”, “Melhor que Clarice Lispector” e em tentar entender o mundo de modo geral.
Corpo Estranho tem roteiro de Lourenço Mutarelli e atores que têm trabalhado com a Renata em interpretação excepcional. Uma trama insólita, onde os personagem relaxam num “bar dos sósias”, onde todos os frequentadores são sósias! A primeira temporada tem uma dúzia de episódios de uns 10 minutos cada. Ver pelo YouTube (http://www.youtube.com/playlist?list=PL06CFC02E915B2837) pode ser mais divertido, pois você pode se impôr o suspense e ver um episódio a cada vez.
O Teatro para Alguém já colocou no ar a segunda temporada e se prepara para a terceira! A idéia do TPA é criar uma linguagem híbrida, que traga a experiência do teatro para o ambiente da internet. Conseguem? Em “Corpo Estranho”, o que eles fazem é algo distinto. Através da linguagem de quadrinhos do Lourenço, eles criaram uma novela de televisão que é o avesso das novelas da Globo. Avesso em interpretação, em trama, em expectativas. E maravilhoso.
O antigo galã da Record, Zé Piñero, aparece em Corpo Estranho como o über cafajeste Roperto. Sou fã de carteirinha do Zé, “Cheiro do Ralo”, tantos filmes, peças, participações na TV. Roperto nos lembra das novelas, naquele ambiente ultra-moderno de “Corpo Estranho”, mas nos lembra, como falei, ao avesso. “Assim você piora as coisas, Patricha!”, diz ele. Avesso também, claro, no meio de comunicação. Para quem não viu “Corpo Estranho” ao vivo – o TPA transmite suas produções ao vivo e depois coloca os vídeos na internet – vemos os episódios onde e como queremos, com amigos ou não, em casa ou na rua, no Brasil ou no exterior – está tudo legendado.
Mas ainda não é, na minha opinião, teatro na internet. Acho que para ser – e nem sei se esse deve ser o principal objetivo, assim como o computador não deve ser uma máquina de escrever digital – precisaria uma capacidade técnica maior. Eu tentei ver uma peça sobre um jogador de tênis e tive dificuldade. Também vi ao vivo um episódio dos jovens autores e observei que havia poucas pessoas na “platéia”. Pois é difícil transmitir ao vivo, não é uma coisa banal. Tenho a concepção de internet como um espaço, um espaço que habitamos, que é coisa que aprendi com meu Professor Paolo Carpignano (http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/1467-8675.00134/abstract). E para ser um espaço precisamos nos mover nele mais ou menos fluidamente.
Vale a pena garimpar os episódios de “Corpo Estranho” no site (www.teatroparaalguem.com.br) ou no YouTube e, modéstia totalmente à parte, a poesia que a Renata e a Priscila fizeram com um conto que escrevi sobre meu pai. Mas o site está de um jeito que é preciso pesquisar, as coisas não saltam aos olhos. No geral, acho que faltou ao TPA a visão de que ele deve ser parte desta coisa fluida que é nossa vida online. Que, ao contrário do teatro, para onde vamos, na internet nós mergulhamos. Para o teatro compramos o ticket, pegamos o carro, estacionamos e finalmente chegamos!
Na internet vamos sendo levados de um jeito meio Malpertuis, vamos à história antiga, vemos fotos da família, catástrofes, vídeos paródicos da companhia telefônica, petições contra a censura, petições contra os maus-tratos aos animais, investigação do NYTimes sobre algo que nos toca forte, notícia sobre um esportista que nem sabemos quem é, colegas de trabalho organizando conferências, falecimento da mãe da funcionária aposentada, lembretes de deadlines de entrega de trabalhos, melhores do Enem, postamos nossos artigos para serem comentados alimentando essa corrente insana, e assim se esvai nosso tempo.
Não se trata de convidar as pessoas a virem, como no teatro, que é um lugar, uma casa. Trata-se mais de ir catando as pessoas na rua, como numa feira medieval, imagino. Ei, venha comprar isso, ei, venha ver esse show de dança. É captar um fluxo mais que convidar um “respeitável público”. E para se engatar nesse fluxo o TPA deveria, na minha opinião, ter usado mais os recursos já disponíveis na rede e menos ter tentado fazer um “teatro próprio”. Google plus, o famigerado Facebook, Diaspora, ou redes sociais dedicados às artes, como Behance, ou para filme e vídeo, teriam sido melhores escolhas que um site próprio; teriam liberado tempo e energia para a produção em si e ajudado na conexão com outros produtores com idéias afins. A palavra de ordem da internet é conexão, e a adesão a redes já existentes teria facilitado essa conexão.
Na internet a gente tem que se pendurar e o TPA está um pouco no pedestal, digamos. Além disso, o TPA fez uma opção – na minha opinião correta – de manter o espetáculo num lugar só. Não há tentativas de explorar a interação online teatral, o que seria interessante como exploração das capacidades do meio mas seria dificílimo como arte, como expressão. Possível, mas dificílimo escrever um texto “para a internet”. Um drama mesmo, com atores em lugares distintos. Com o lugar fragmentado, como ele é mesmo na internet.
Mas na verdade sentei para escrever sobre um outro projeto do TPA, bem mais recente, que me cativou. Foi o projeto na Oficina Oswald de Andrade, onde se misturavam todas as linguagens. Teatro, cinema, televisão e internet. As pequenas histórias eram transmitidas ao vivo e depois carregadas na internet, mas o palco não era a casa da Renata, essencialmente um lugar privado. Era a Oficina da Três Rios, no centro de São Paulo, um lugar público. E não num teatro ou sala, mas o grande saguão do prédio. Que aliás alguém bem poderia reformar, pois as infiltrações humilham minhas pobres minhas goteiras!
Num dos dias a conexão da UOL pifou. Uma dessas chuvas tremendas de São Paulo, que nos lembram que estamos nos trópicos e que nossa cidade global será engolida pela Mata Atlântica no dia em que a abandonarmos, Fashion Week e tudo. Mas sobramos nós, atores e audiência, como deve ser num teatro. Tiramos fotos da peça e fotos da peça transmitida num telão e fotos dos amigos dos atores tirando fotos da peça transmitida no telão. Mas no fundo estávamos só nós lá, as fotos naquele momento eram inúteis, não nos levavam a ninguém. A filhinha da Renata, num intervalo, apontava um telão gigantesco e dizia: “Olha eu lá.” Mas ela estava aqui, pois sem a conexão estávamos “ilhados”.
Nesse sentido, o Teatro para Alguém mostra talvez o potencial do teatro da internet mas acima de tudo seus limites. Pois no fundo, estamos apenas nós aqui. Por definição. No fundo, aqui é esse lugar no qual posso chegar em 5 ou 10 minutos, o resto é lá, não Lubinha? Você estava aqui, não? Pois mesmo que o site fosse interconectalinkado em rede, e a transmissão fosse estilo Rede Globo na Copa, onde está você Fátima Bernardes?, um raio pode mudar tudo. Um mero raio, num ponto certo, a tela muda, o site fora do ar. E estamos nós, paulistanos, com tantas histórias para contar, esperando a chuva acalmar numa noite qualquer no centro da cidade, como deveriam esperar os indígenas que aqui chegaram antes de nós, também com suas histórias que o mundo todo não chegou a ouvir. O TPA mostra isso, essa gana de estar presente em qualquer lugar. Às vezes estando, às vezes não.
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