Aí está um tema que só pode me tirar leitores: o lobby judaico! Como disse o humorista Stephen Colbert, há questões que não podem ser feitas sobre Israel, inclusive essa? Existe a versão racional sobre o lobby judaico: o AIPAC é de fato extremamente bem organizado e representa uma visão apenas sobre o Estado de Israel e sobre o apoio americano à política externa israelense. Essa é provavelmente a perspectiva de Chuck Hagel e também de milhares de jovens judeus americanos que buscam outras formas de apoio a Israel. É a minha também. Uma vez entrevistei uma mulher do AIPAC e até eu me senti um pouco acuada.
Há a visão anti-semita do lobby judaico, que retoma as idéias clássicas do anti-semitismo europeu, trocando termos como “errante” por “global”, “agiota” por “financeirização” e assim por diante, sem tirar nem por nada, nem fel, nem inveja, nem ódio nem ressentimento. Sobre essa visão, apenas resgato uma piada: nos anos 30, um judeu está no parque lendo o jornal nazista. Seu amigo se aproxima e pergunta: “Mas Moishe, por que você está lendo isso?!?” Moishe: “Jacó, nos jornais ídish estamos perdendo nossos empregos, ninguém nos quer no mundo e aqui seremos massacrados. Aqui não! Aqui temos amigos por toda a parte e vamos dominar o mundo!”
Há a visão, digamos, desmerecedora do lobby judaico, proposta brilhantemente por Walter Russell Mead num artigo da Foreign Affairs. Aliás, por esse artigo e por sua lucidez em geral Walter Russell Mead deveria ganhar o prêmio de Righteous Academic, dado pelo Estado de Israel ou pela Academia de Ciências e Humanidades de Israel. No artigo, Russel Mead traça o apoio americano a Israel a laços mais fortes e antigos que o pequeno grupo de pressão. Resgata a história dos dois países, seus princípios fundadores e as relações dos vários grupos americanos com os judeus e com Israel, incluindo negros e evangélicos. Vale a pena ler o artigo inteiro.
Até aí não falei nada polêmico, não ofendi ninguém. Mas o discurso de Obama me fez pensar em uma interpretação alternativa do “lobby judaico”, entendido aqui não como o AIPAC nem com o sentido pejorativo europeu, nem com o sentido desmerecedor de Russell Mead. Em seu discurso em Jerusalém, Obama não mencionou a minoria árabe isralense, que também é parte do país e que poderia ter um papel na construção da paz muito maior do que o que tem agora. Se fosse Bush, poderia ser por ignorar, por exemplo, que há negros no Brasil, ou que árabes em Israel. Mas foi uma escolha.
Obama quis ressaltar em sua fala que Israel é um produto judaico. Da história dos judeus, da determinação dos judeus, da engenhosidade dos judeus. É preciso combater o racismo e em particular o anti-semitismo, ele disse no Yad Vashem, de modo pleonástico, pois o Museu é o museu do Holocausto, e não do genocídio em geral. E disse também que o apoio a Israel é do interesse dos Estados Unidos, o que pode ser entendido como uma questão geopolítica, ou tecnológica, ou, enfim, prática. Mas acho que vai além.
“Se eu fosse um judeu americano – formado em Harvard, bem sucedido -, eu puxaria o saco desse Netanyahu?”, eu imagino ele pensando na Casa Branca. “Não. Então com ele vou ser duro, e pronto. E para os jovens israelenses vou prometer mundos e fundos.” Penso sim que Obama se colocou nos pés do judeu americano médio. Penso que ele disse o que todo judeu americano gostaria de dizer. É, talvez exista um lobby. Não um lobby estridente e bem organizado, mas toda uma comunidade que pode contar com os Estados Unidos para o que der e vier, e vice-versa.
Talvez seja a minha uma perspectiva latino-americana, de um lugar onde os governantes falam de “tolerância” como se fosse uma grande concessão às minorias, como se não se filiar de modo absoluto e exclusivo a uma identidade nacional – que é recente, é um mosaico, é feita de “outros” em si mesma – fosse um pecado. Em poucos lugares, na América Latina, acredito, temos como aqui em São Paulo governantes que falam claramente da contribuição judaica ao desenvolvimento do país. Agradecem ao invés de condescender a uma assimilação “incompleta”.
Os Estados Unidos não são a França nem a Venezuela, não são a Argentina nem a Hungria. O recado estratégico de Obama pode ter sido que os israelenses podem fazer suas concessões pois terão o respaldo americano se algo der errado. Tudo bem. Mas eu li um recado mais amplo, dado aos judeus americanos, de que eles podem continuar investindo, criando, trabalhando, indo e voltando, criticando, rezando, militando por causas mil, governando e, enfim, vivendo nos Estados Unidos da América, pois o que fazem por lá é o maior lobby que há. Isso é eterno. Isso é que é eterno.