Então, é isso. Minha reforma vai custar 120 mil reais. Um pouco mais do que ganho em um ano de trabalho. Mas parte do dinheiro eu tenho! Está numa conta tutelada pelo governo federal, na Caixa Econômica, 38.500 reais. Como esse dinheiro foi parar lá eu não sei. Devo ter aprendido na faculdade, alguma medida do governo militar, talvez vinda de alguma idéia dos desenvolvimentistas, não me recordo. Mas é coisa antiga, que foi criando raízes e ninguém lembrou de cancelar. Uma espécie de correção monetária, de proibição de biquini.
O dinheiro vai, em parte, para a construção de shopping centers sem alvará de funcionamento, em terrenos contaminados ou regiões de tráfego saturada. Em parte vai para o bolso de alguém, diretamente, sem mediações. Se fosse para microcrédito, que tem um potencial gerador de renda e igualdade social, eu até engolia, mas não vai, você sabe disso. O extrato da conta, inteligentemente, não diz onde o dinheiro foi aplicado! Ora, se eu emprestei, não tenho o direito de saber?
Mas não posso, mesmo implorando, usar o meu próprio dinheiro na minha reforma? Pelas consultas que fiz, não. Quem rege isso é um tal conselho curador, que decidiu que se eu estiver desempregada ou com AIDS posso sacar meu dinheiro, caso contrário não. Não sei como fica se eu conhecer alguém que conhece alguém, não sei há esquema. Sei que para obter isenção de imposto na compra de automóveis há esquema, conheço até uma pessoa que vive disso. Mas para FGTS não sei.
No conselho curador estão pessoas que não conheço, a quem não dei direito de administrar meus bens, e que principalmente não elegi. José Colombo, por exemplo, você sabe quem é? Pois é o digníssimo representante da confederação nacional dos transportes, instituição da qual nunca ouvi falar e que se fosse extinta não me faria a menor diferença. Por que o José Colombo, ou outro infeliz qualquer, pode dizer onde uso meu dinheiro, ganho com meu trabalho e não com o dele?
Eu posso, parece, contrair um emprétimo na própria Caixa, com a garantia de meu fundo de garantia. Ou seja, vou ser extorquida da diferença de rendimentos, o que é um absurdo. Uma humilhação financeira. Uma simples regulamentação poderia acabar com essa farsa toda, fazendo o FGTS uma aplicação voluntária. Dando prêmios mensais aos depositantes, como a Nota Fiscal Paulista, para ver se atraem algum incauto que queira financiar Shopping com o rendimento de quem doa dinheiro para causas nobres.
Ou, como sugeriu meu irmão, uma ação de inconstitucionalidade, pois no frigir dos ovos se trata de um imposto federal sem aprovação legal – o exemplo do empréstimo contra o depósito torna o caráter tributário bastante transparente. E aí é que entram nossos caros representantes no congresso. Aqueles em quem a gente vota para defender nossos interesses. Ontem na TV estava o nosso senador por São Paulo querendo botar o Lula de volta no julgamento do mensalão, julgamento esse que nos deixou a todos satisfeitíssimos com a democracia brasileira e com o funcionamento das instituições.
Claro que a luta de Aloísio Nunes Ferreira é pelo partido, pelo jogo de forças, por marcar posição. Se ele estivesse mesmo interessado no dinheiro do contribuinte, estaria bolando um modo de liberar esse dinheiro para que usássemos do melhor modo possível, pois não lhe falta inteligência nem conhecimento. E para reduzir os “ladrões” por onde escoa o dinheiro para os próximos mensalões. Mas, o quê?, abrir mão do FGTS!?! No fundo, pensam todos como governo, seja na situação ou oposição. E se eles ganham a eleição, não vão ter o BNDES para distribuir benesses? Nem pensar. Então ficamos mesmo na mão do José Colombo.
O caso constitucional não é difícil não. Pelo Art 5o, o ônus é da União de provar que o uso livre do Fundo não atenderia a função social da propriedade. Adicionalmente, tem que haver lei específica para restringir essa garantia constitucional. O Art. 170 reforça os mesmo princípios, enfraquecendo a causa das regulamentações do tal Conselho Curador. E pelo Art. 153, a União teria que provar que a restrição ao uso do Fundo não é uma forma de imposto, já que não compete à União taxar a pequena poupança. Mas a indisponibilidade do bem é inequivocamente um imposto, de forma que a União não tem como defender racionalmente as limitações impostas ao poupador.
Citações abaixo.
Art. 5o Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
…
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
…
XXII – é garantido o direito de propriedade;
XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
I – importação de produtos estrangeiros;
II – exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou
nacionalizados;
III – renda e proventos de qualquer natureza;
IV – produtos industrializados;
V – operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos
ou valores mobiliários;
VI – propriedade territorial rural;
VII – grandes fortunas, nos termos de lei complementar.
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
…
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade;
Depois de escrever o artigo vi que o senador até tem uns projetos para liberar o fundo para coisas mais inteligentes que Shopping, tipo educação. Mas, lendo a resposta do meu irmão, vejo que minha indignação é justa, pois o imposto sobre poupança é, em si, inconstitucional, e de fato seria atribuição do Senado estar atento a essas questões.
Falando com um amigo economista, que prometeu uma resposta no blog, me dei conta de que o FGTS não vai para o BNDES; o destino do dinheiro é bem mais limitado. Mas ele continua sendo meu. Para o BNDES vai um imposto recolhido sobre o faturamento, parece, um tal de FAT (http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/dest/premio_dest/mencao_honrosa_bento_IV_premio.pdf)