Qual a raison d’être do PSDB?

Nessas eleições municipais, todos repetiram à exaustão uma inverdade: que a cidade de São Paulo é o reduto do PSDB. Em algum sentido simbólico ou afetivo, talvez. Mas, objetivamente, o PSDB ganhou apenas uma eleição municipal nessa megalópole latinoamericana. Foi a eleição de Serra, que ficou menos de 2 anos no cargo, em 2004, tendo passado em seguida o cargo para um sujeito desconhecido de outro partido.

Covas foi prefeito de São Paulo, mas nem foi eleito – o cargo foi indicação do governador – nem ele era do PSDB – o partido foi criado em 1988. Fernando Henrique, ainda no PMDB, foi derrotado por Jânio. Serra foi derrotado pela Erundina. Não me recordo de todas as eleições, mas os tucanos foram sendo derrotados por Maluf, Pitta e Marta, até que São Paulo se encheu da ladroeira e da irracionalidade e elegeu Serra, já neste século.

Eu me lembro da época em que se falava da periferia malufista com desdém, nós de Perdizes.

Acredito que São Paulo nunca será reduto de ninguém. É um cidade gigantesca, plural, uma cidade de migrantes e imigrantes. Uma cidade inovadora, ambiciosa, descontente, como escreveu um coleguinha de minha mãe num trabalho de escola para o Mackenzie. Ninguém a reduz. Então qualquer proposta terá seu espaço, seu nicho, o bonzinho Chalita, o bêbado Jânio, o descarado Maluf, o arrivista Russomanno, todos, todos. Pagamos para ver. Nao somos de cabresto.

Às vezes votamos em alguém decente, mas ser decente não garante os votos. Agora, eu comecei esse post tentando falar sobre o PSDB, mas a cidade de São Paulo é sempre mais divertida.

No governo do Estado sim, o PSDB tem se mantido. Com a exceção de Fleury, em 1990, os tucanos sempre estiveram no poder. E o vice de Fleury era nosso atual senador pelo PSDB, Aloysio Nunes Ferreira, vi na Wikipédia. Então podemos dizer que desde Montoro, em 1982, o PSDB lato sensu está no poder. E o Quércia?

Pra mim, esse é o mistério. O que os tucanos tanto tinham contra o Quércia, além de esse ser um ladrão descarado? O que justificou a criação do novo partido e o que, passado quase um quarto de século, indica que essa foi uma boa idéia?

Foi o Quércia que desmontou a base de sustentação do governo militar no interior, não foi? Ou isso é mito? Penso que não. Por que o Quércia era pior que o Antônio Carlos Magalhães, já que com algum ladrão os tucanos deveriam se aliar? Será que não era um certo preconceito contra o sotaque miserável de Pedregulhos? E o atual governador de São Paulo, não é um Quércia ressurgido, não na ladroagem exatamente, mas numa certa falta de sofisticação, num certo anti-tucanismo? Escrevendo começo a sentir até uma certa saudade do Quércia, que pensava um pouco mais adiante que os outros…

Claro, com o PSDB se ganhou aqueles dois mandatos incríveis do FHC. Sem o partido, os tucanos teriam alguns ministérios, se equilibrando precariamente em algum governo fisiológico qualquer, do PMDB, do PFL, de quem fosse. Mas seria isso tão pior? Talvez tivesse sido melhor… Talvez a herança, que foi uma bela herança, tivesse sido mais duradoura. O que eu pergunto é o seguinte: precisa mesmo ter um partido para cada grupo? Não era possível ter feito política dentro do PMDB, ter emplacado um candidato aqui, outro ali, mas sempre conferindo alguma racionalidade às políticas públicas, que os tucanos de fato sabem fazer?

Essas divisões partidárias parecem resolver algo, lidar com tensões do momento. Mas a cidade de São Paulo tucana – tucana no imaginário, na concepção, mas não no voto, que é caótico, imprevisível – precisa do interior PMDBista, meio tosco talvez, mas confiável, sonhando o sonho americano – o churrasco de domingo, as mulheres na cozinha, os homens assando a carne e pronto. Mas, enfim, a coisa é como foi. O PSDB acabou ficando, ao invés de mais caipira e simplório, mais caudilhesco e machista. Como num romance de Jorge Amado, como numa novela da Globo.

Publicidade

2 respostas em “Qual a raison d’être do PSDB?

  1. Você matou a charada: os tucanos fundaram um partido porque se achavam melhores, e sinceramente se achavam porque eram. O resultado foi um partido com muito cacique e pouco índio. Ganharam eleições que talvez o PMDB não tivesse ganho, porque os caipiras do Quércia não eram tão competentes. Mas não se renovaram, por excesso de caciques.

    Valeu a pena sair do PMDB para depois se aliar ao PFL? Talvez, ganharam uma eleição porque não tinham que carregar um partido mixuruco. Vai saber o que teria acontecido com mais uma rodada de Lula x Brizola em 1994. Faltou depois deglutirem a caipirada. O Alckmin seria uma tentativa. Ainda há chance, o PMDB em SPaulo está defininhando. Mas vai precisar de mais competência na execução dos detalhes da política do que o PSDB tem mostrado.

  2. Isso tudo, it goes without saying, com todo o respeito pelo interior de São Paulo, de onde tiro meus proventos e cuja cultura gostaria de conhecer melhor.
    E, falando em machismo, aqui vai um belo artigo do Guardian: America’s economic future is ever more female, but politics lags | Heidi Moore http://gu.com/p/3bj2n/tw

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s