Dia horrível hoje. Problemas de trabalho, pessoais e burocráticos. Esse calor, essa gripe, esse mal-estar. Vontade voltar para a análise, talvez apenas pelo silêncio e pelo ar condicionado.
Mas São Paulo é uma cidade imprevisível. A mulher da loja da Apple disse: “Deixa comigo. Eu sei lidar com eles, sua compra vai sair.” Um pouco para fazer a venda, um pouco, eu tive a impressão, por um certa solidariedade: duas mulheres desarrumadas no Iguatemi.
E aí entrei no táxi, que foi pela Faria Lima. Um rapaz perguntou onde era a Heitor. Quase pedi carona e larguei o táxi. Mas algo me prendeu na cadeira, o cansaço do dia, da vida.
E o motorista foi chegando em Pinheiros, e depois entrando na Vila Madalena, e foi contando da Vila Beatriz nos anos 70, quando chegou em São Paulo. “A casa era sua?”, eu perguntei, socióloga involuntária, perguntando por compulsão e sem curiosidade.
“Não.” Alugada? “Também não.” A casa era emprestada, de um senhor que o convidou para morar num quarto, por 10 anos, depois vendeu, pôs o dinheiro na poupança, perdeu com a inflação, acabou indo morar com ele, taxista, no Butantã. “A coisa se inverteu.”
Os dois com família, mulheres, filhos, não pensem bobagem. O casal idoso, os proprietários da Vila Beatriz moraram com ele até morrer. Os filhos não davam bola, até o enterro quem pagou foi ele. “Esse foi um pai para mim. Quando eu precisei. E nunca deu trabalho, fazia suas coisas, levantava e fazia seu café.”
“São Paulo é solidária, não?”
“Ah, muito solidária! No nordeste as pessoas têm muito preconceito, isso aqui é uma beleza. Todos se ajudam. São Paulo é um sonho.”