Meu pai era um grande imitador. Imagine crescer com um Chaplin, um Woody Allen, um Chico Anísio dentro de casa. Foi minha infância. Um dia, crianças, voltando de Ubatuba, aquele trânsito infernal na Dutra logo saindo de São José, meu pai emendou uma imitação em outra e nós no banco de trás nos contorcíamos de tanto rir. Minha barriga doía muito. Mentalmente eu pedia para ele parar. Minha mãe, no banco da frente, sorria orgulhosa por ter feito par com um homem que sabia contar piada, assim como suas antepassadas das cavernas se orgulhavam de ter ao lado um bom caçador.
Algumas imitações me marcaram. Tínhamos um disco com grandes discursos da história, e meu pai, quando chegava a hora de Adolf Hitler, aumentava o volume e fazia os trejeitos e as caras do líder alemão, bem didático, explicando, quanda o disco passava de um discurso para outro, como o homem ia perdendo a cabeça ao longo da guerra. Acho que nos manuais de linguística isso seria uma paródia, não sei. Não me deu menos medo dos ditadores. Sei do que são capaz: silenciam o luto das mães, com medo que suas lágrimas ameacem os filhos sobreviventes. São gente ruim e perigosa, mais que ridícula.
Mas ver seu pai imitando Adolf Hitler muda algo. Não te tira o medo, mas te dá um certo senso de superioridade quando aos que gostam de fazer discurso e mandar nos outros. Você até pode ouvir seus discursos, e dependendo da situação até concordar com suas idéias, mas há uma distância entre você e o fulano, uma condescendência criada pelas risadas que você está reprimindo. Enfim, é uma imitação que está presente nas minhas relações hierárquicas, para simplificar, tanto com os de cima quanto com os de baixo.
E tinha imitações de velhos judeus, de judeus cariocas, de Jânio Quadros, you name it. “Dôquinha, Dôquinha, vamox no c’sino da Urrca!” Muito gozado. “Guga, me conta de novo desse moço cinza de Nova York,” ele me pediu. Era um homem todo cinza que encontrei num supermercado em Nova York, a roupa cinza, a pele cinza, os modos cinza. “Guga, quem é esse Raulizito que você nunca me falou?” Era um personagem meu e da Renata, um paulistano simplório e consumista. Engraçado ele ter ciúme de um personagem, não?
Uma vez pedi para ele imitar o Jurgen Habermas, nossa, foi demais. Escrevi essa história num conto. Ele disse inicialmente que não podia fazer isso, mas depois cantou o Ode à Alegria como gago. Foi realmente genial. O próprio Beethoven aplaudiu.
E ele imitava o Celso Lafer também. Sem o carinho que demonstrava nas outras imitações de judeus. Ele recriava as frases do Lafer, empoladas e vazias, repletas de admiração por si próprias. Não era tão engraçado. Talvez houvesse aí alguma competição masculina, ou um genuíno desprezo por quem usa a cultura para enrolar, não sei. Só sei que quando leio um texto empolado penso no Lafer/meu pai. E quando leio um texto do Lafer me pergunto como é possível, em inteiras 2 colunas de jornal, não dizer nada.