Gostei tanto de dois filmes argentinos recentes que não estou conseguindo evitar escrever uma análise sociológica barata dos mesmos. Pois a gente se pergunta o que esses caras tem que estão fazendo filmes tão bons. E não são mais sobre a tragédia da guerra suja, que dá bons temas, dramáticos. Como “O segredo dos seus olhos” ou “Kamchatka”.
Os filmes são “Medianeras” e “Um conto chinês”. Os dois tocam em temas atuais. Medianeiras fala do isolamento na cidade moderna, minorado capengamente (ou provocado) pela comunicação virtual. Um conto chinês fala das peripécias humanas nessa época de migrações fáceis mas aleatórias.
Temas já tratados em tantos outros filmes. Lembro do filme que não vi, “You’ve got mail”, ou que vi na TV antes de dormir, portanto esqueci. Só lembro do rosto da atriz, inexpressivo, idêntico a tantos outros rostos, mais uma transposição que uma crítica dessa impessoalidade contemporânea.
Teve um outro filme que também não vi, que tratava de inúmeras histórias globais se conectando, não? Não vi pois a sinopse me sugeriu que a trama era muito artificial, construída. E deve haver outros mil filmes tratando dessas questões, bons e ruins, que vi ou que não.
Enfim. Os dois filmes argentinos. Delicados. Engraçados. Verdadeiros. Ficcionais, sem serem artificiais. Quero dizer: levam a gente para o mundo da imaginação sem que nos sintamos manipulados. Tristes. Esperançosos. Como eles conseguem? Como fazem filmes humanos como os brasileiros, com plot bacana como os americanos e… profundos como os europeus?!?
Dá até raiva. Depois que você sai do cinema. Durante, você entra tanto no filme, aproveita tanto, e de tantos ângulos distintos. Melhor cena do Conto Chinês: o vendedor de ferragens finalmente responde em chinês ao imigrante. Sua namorada pergunta o que ele disse. Ele responde sempre mal-humorado que não sabe.
Bom, agora a sociologia. Os argentinos não estão embriagados com a globalização como nós. A sensação de que perderam o bonde, que a estabilidade política é fugaz, que já estiveram melhor antes, que podiam mais. E podiam mais. E aquela mulher brega na presidência, com cara de atriz de novela barata, deve ser um tapa na cara diário.
Argentinos em Israel, na Espanha, nos EUA, até no Brasil. É a hora e a vez dos emergentes, mas a Argentina não é nem primeiro mundo nem emergente.
O primeiro mundo lambe as feridas, abre as portas para nós, tenta manter o número no circo. (Para uma visão mais científica de “tenta manter o número no circo” veja Krugman sobre globalização.) É ocupação tempo integral. Nós, como disse, embriagados. Fazendo filme tipo publicidade, filme de bandido e mocinho, querendo imitar o irmão mais velho, sabe como é? Não vou dizer que “só falta agora fazer filminho de holocausto” porque já fizeram. Primeiro mundo tem que ter filme de holocausto.
Eu me coloco nessa embriaguez também. Globalização, new media, global culture, etc., etc., etc. Crescimento econômico, nova classe média, que legal, o novo Brasil. Mas entrando nesse carnaval a gente perde a crítica, perde a perspectiva. Como caberia um personagem como o do conto chinês no Brasil? Mau-humorado com crediário aberto? Precisa ser alguém que conta os pregos que recebe do fornecedor. Alguém que acha que não está recebendo seu “share” nesse cassino global.
Temos nossas mazelas, mas elas são espetaculares. Cracolândia. E tudo vira festa, churrasco na cracolândia, planos da prefeitura, tudo mega, tudo em ritmo de Copa do Mundo. Ainda o personagem: “se você não sair daqui em 7 dias, eu vou explodir. Bum.” Alguém que já pastou muito, está no limite. No limite de sua intolerância, mas também de sua humanidade. Ele está a um passo de voltar a ser gente. Nós, eufóricos. É diferente.
Madianeiras é uma cópia barata e muito mal feita. Tipico do cinema sulamericano que deveria tratar de desenvolver sua criatividade. O pior é premiarem isso. Só posso lamentar.
cópia de quê?