Meu medo era não ter distanciamento suficiente para falar do clube que é praticamente uma extensão da minha casa. Que nada. Enquanto voluntária, almoçando com os funcionários do evento, policiais, jornalistas comunitários brasileiros e de fora, de repente virei funcionária. Ontem fui nadar até meio escondida, com medo de “ser pega” usufruindo um clube onde apenas trabalho. Obedeci a um senhor que me mandou de modo indelicado fechar as portas da piscina. Entrei na persona e foi algo totalmente inesperado.
E aí vi o clube de modo diferente. Transitando entre Hilton, Iguatemi e Credicard Hall, em ônibus fretados, com as equipes visitantes, a princípio achei desperdício de dinheiro todo aquele luxo. Por que não ficaram nuns aparts em Pinheiros, poderiam vir a pé ou de ônibus para o clube. Mas a funcionária Heloisa olhou para a Hebraica e viu que ela também é parte desse luxo. Ela, a Hebraica. A Heloisa tira por ano 100 mil reais bruto. A Hebraica lhe toma 4% da renda. Não há transição entre a Hebraica e os hotéis e shoppings caros da cidade.
A transição estava na minha cabeça, pois as imagens que tenho do clube ainda são as dos anos 70, a piscina lotada nas manhãs de domingo, as sócias jovens com tanga, cabelos hippies, tomando sol. Um bom clube, sem luxo. E com alguns lugares estranhos, a sauna, as quadras do fundo, o castelo na areia. Lugares meio inexplorados, remotos, tapumes. Agora o clube está todo ocupado, colonizado, pronto. Sempre em construção, mas sempre pronto. Esse é o clube hoje. 3 piscinas semi-olímpicas aquecidas. 1 olímpica. Fora as outras.
Então ontem me dei um certo descanso, pois depois de 5 dias de trabalho intenso estava fisicamente exausta. Pela manhã escrevi um roteiro turístico em inglês para o pessoal da África do Sul, e depois tirei algumas dúvidas práticas das meninas do futebol, ajudei outras a sacar dinheiro, troquei eu um pouco também, e pronto. Conheci uma brasileira que foi voluntária em 83. Vi a Soninha, sócia que participou não de esportes, mas da festa. Vi a Debbie, que nadou nas Macabíadas. Ainda estou atordoada com meu reencontro…
Depois fui a uma festa. Alguém me convidou para passar no clube à noite, mas a festa estava boa e fui ficando. Falando dos amigos de faculdade, um faleceu. Mas ele era tão engraçado, tão divertido, que aparece nos sonhos de nosso amigo comum, em situações cotidianas, num bar, no carro, dizendo: “Cara, é muito estranho estar morto!” Eu ri. Era como se ele estivesse lá, me fazendo rir novamente. E depois falando do hábito vegan, com conhecidos, e concordamos todos: o exagero é que é ruim; comer menos carne é bom. Conversa simples, brasileira, sem profundidade. Alívio. Bater papo.
A cidade de calçadas feias e ônibus desconfortáveis me pareceu mais acolhedora que o clube murado. Então sempre é possível obter o distanciamente sociológico, concluí. Pois a mudança na nossa posição muda o olhar. Talvez até nas firmas devam de vez em quando trocar as funções, colocar o presidente na cantina, o ascensorista na presidência e assim por diante, é bem pedagógico.
Cheguei cedo, vi a novela, e depois uma dessas entrevistas com ator antigo da Globo enaltecendo a história da teledramaturgia nacional. E percebi que minha alma kitsch é brasileira. Gosto de novela, gosto do enaltecimento à novela. Kitsch aqui no sentido de cultura de massa, símbolos fáceis, nada muito pejorativo, gosto mesmo. Digo isso pois cultura judaica é algo para mim o oposto de kitsch. Cultura judaica, para mim, é algo schmaltze, como dizem os americanos, sentimental, as histórias de imigração, os reencontros, os beigalahs da tia Tuba, ou cultura judaica é a história milenar, a literatura, os princípios éticos, a complexidade intelectual.
Não consigo bem compreender como se pode construir o kitsch a partir do schmaltze e do intelectual. Como os eventos incríveis da história judaica – mirabolantes, nas palavras de um aluno – podem virar slogans fáceis e melodramas baratos. Mas a cultura de massas faz milagres. Especialmente em Chanuka, ou Januca, que é a época dos milagres!