Amanhã começam, afinal, as Macabíadas. Já estou pensando em castelhano, pois os organizadores da Hebraica são todos argentinos! Há dois tipos de argentinos. Os que falam: “Bom, dia, meu nome é Pablo, sou argentino, desculpe.” E os outros. O que é engraçado é que essa apresentação é muito comum aqui no Brasil. Quebra o gelo, a gente ri, e começa a trabalhar junto. Outro dia conheci um argentino que se chamava Ernesto. Eu disse: “Ernesto é um nome comum, não?” Ele: “O dos outros é comum; o meu não.” Amei. Enfim, basta de piada de argentino, obrigada a todos os nossos vizinhos que além da frente fria nos trazem tantas coisas interessantes a nosso país. Las películas e todo lo más.
Já foram vários dias de trabalho intenso. Vou ser voluntária na Macabíada, por uma questão pessoal: queria repensar a Macabíada PanAmericana de 1983, há exatos 28 anos, de que participei. No Rio, em 2009, reencontrei uma amiga americana que fez Bandeirantes. “Mas Bonnie, quando foi que você esteve no Brasil?” Ela: “Em 1983. Passei o Rosh Hashaná na sua casa, fiquei super grata por você ter me chamado.” Eu: “Bonnie, isso foi antes das Macabíadas, você me conheceu na minha pré-história.” Então essa é a motivação pessoal.
Aí, “já que” eu vou ser voluntária, por que não escrever um artigo sobre tipo assim jovens, globalização, identidade e coisa e tal? E, “já que” vou escrever um artigo, por que não fazer um documentário? Então a primeira parte foi fazer um projeto, enviar para algumas pessoas, ninguém responder, aí acabaram as aulas, encontrei a Carol, ela achou a idéia legal, reenviei, as pessoas responderam entusiasmadas, chamei alunas para ajudar, elas gostaram, depois todo mundo percebeu que não ia dar e eu mesma percebi que meu negócio é escrever e se der vou filmar algumas coisas mas a idéia é escrever algo no blog e depois juntar e escrever um artigo.
Uma equipe já chegou. Me ligaram dizendo que eles estavam indo para o hotel naquele momento, só pude ir no dia seguinte pela manhã. Tudo parece um pouco caótico mas ao mesmo tempo todo mundo tem muita boa vontade! É esporte, afinal, e esporte é uma coisa bacana. E ninguém vem do outro lado do mundo para criar problema. Mesmo sendo panamericanas, as Macabíadas têm equipes convidadas, e esse ano vieram a Austrália, vai chegar a África do Sul e, claro, Israel, que vem em peso. Ai. Os outros são os nossos vizinhos do sul e do norte.
O que eu espero? Espero ver as diferentes delegações, todas com algo em comum – a herança judaica – mas com sua história nacional particular. Quero ver se temos algo em comum, nós “panamericanos”. Quero ver o clube, como espaço, como ele se tranforma, que tipo de interação proporciona. Quero confrontar com minhas lembranças também, usando um pouco essa palavra ganha ontem do Luis, recompor. Até agora, o que vi? As questões de identidade aparecem aqui e ali, mas o evento tem um porte tão grande, tipo 3 mil pessoas participantes, que não dá tempo. Tem que buscar, levar, explicar que a água é potável mas os carros são um perigo, e coisa e tal.
Queria mesmo ter tido uma aluna do lado, pois tem coisas que não tenho como ver. Não tenho a distância necessária. Cresci no clube, acho que vou da escola de esportes à terceira idade. Não dá pra ser cientista social assim. Uma coisa eu já digo: já virei melhor amiga de uma meia dúzia de pessoas. É como se você dispensasse apresentações, já estamos rindo de tudo, desabafando de tudo, contando nossas histórias. Itzhak eu já sei que lutou em 73, ficou desgostoso e voltou para o Brasil. Das australianas eu sei pouco concretamente, mas as levei ao shopping, já virei uma espécie de mascote. Já briguei com um dirigente, já tranquilizei outros voluntários. Da Miriam já soube da comunidade judaica da Lapa, vocês sabiam dessa? Ótimo tema para uma matéria, um comunidade que está se reorganizando, voltando à Lapa…
Uma semana atrás fui ao clube, para uma dessas reuniões. O clube à noite, segunda-feira, noite bonita, ainda com resto de sol. Clube vazio. Tive um rastro de distanciamento. Pude pensar, ainda que por um instante, no lugar nu. Sem a pressa de nadar, lavar o cabelo, comer sushi, voltar aos afazeres. Sentei no banco de uma das praças do clube e apenas o vi, o lugar. Mas ao longo desses próximos dias não vou ter tempo para essa contemplação. Vou correr de cá pra lá, amanhã chegam todas as delegações, vamos ao aeroporto recebê-los logo cedo. Penso, pela experiência desses últimos dias, que haverá dois eixos. Um, o do encontro de nações, de histórias, as descobertas dessas vidas tão semelhantes às nossas, vividas em outras terras. A tal coisa da globalização que eu estudo.
O outro eixo é o do clube, sua organização, seus caminhos e descaminhos. As instituições da vida judaica, que são um porre total mas que dão forma, de um modo ou outro, à nossa cultura. Estamos todos tão comprometidos com o sucesso do evento, que duvido que dê errado. Os atletas treinando, os dirigentes dos países cuidando deles, nós voluntários fazendo as honras da casa, e toda uma estrutura mega-profissional cuidando de transporte, alimentação, segurança e o escambau. (Não estou nem falando da comida casher para não espantar o leitor…) Aliás, segurança é uma super prioridade, tanto pelo caráter internacional do evento quando pelo caráter judaico. Está todo mundo envolvido. Todo mundo? Sim, todo mundo.
Mas, mesmo que dê tudo certo, e dará!, acho que o evento, em seu aspecto cultural e também institucional, vai revelar choques, tensões, inconsistências. Quem somos nós, lá reunidos por 10 dias? Nosso passado é conhecido, está nos livros de história. Mas para onde estamos indo? Nessa torre de babel das Macabíadas, vou poder ver alguma direção? Alguma promessa? A seguir, cenas dos próximos capítulos!