Quando a partilha da Palestina foi feita na ONU em 1947, já havia um proto-Estado judeu na região. Universidades, hospitais, forças de defesa, desenvolvimento urbano, diplomacia, jornais, até um comitê olímpico havia – comitê olímpico palestino, na verdade, já que até então o nome Palestina não tinha identificação com o povo árabe e sim com a região geográfica. Quando você lê a literatura da época, se fala em judeu palestino, em ir para a Palestina, etc., etc.
Em 1948 os judeus ainda não tinham muito claro se iam ou não declarar independência. Havia quem quiseesse e quem não quisesse. Tudo era novo: que nome? O que escrever na declaração de independência? No livro genial do Yoram Kaniuk, Life on Sand Paper, ele se mostra quase que enganado com essa história de ter que lutar uma guerra de independência. Pois não tinham absolutamente nada com o que lutar. Mais recentemente, me surpreendi com o número de pessoas que lutaram a guerra e depois fizeram a vida em outro lugar. Achei que era só o Davi da Renata. Mas tem o pai da Rachelle, o próprio Kaniuk que depois da guerra passa 10 anos em Nova York, e assim por diante.
Enfim, eram tempos de trânsito, e esses jovens estavam num lugar onde naquele momento houve uma guerra de independência. E eles lutaram e ganharam. Como diz Kaniuk, como diz o árabe isralense Sayed Kashua, os árabes palestinos lutaram bravamente. Perderam, mas são parte desta história. Se tivessem sido eles apenas, a guerra de independência israelense teria sido como a independência americana, onde também havia gente querendo continuar como colônia inglesa e nem por isso o país até hoje é dividido entre loyalists e patriots. O caos realmente começa com a invasão dos exércitos regulares árabes, e com a ocupação da Palestina pelo Egito e pela Transjordânia.
Depois de vencida a guerra, aí Israel passa a pedir o reconhecimento de outros estados e da ONU, que só vem em maio de 1949, numa votação em que o Brasil, que já havia reconhecido o novo país, se absteve. Dois links interessantes sobre o assunto: Papel do Brasil, http://t.co/Oq0iWiy Debate na ONU, http://t.co/tkS6uW1.
Enfim, essa situação agora é um pouco bizarra. Lendo a história assim rapidinho, por que cargas d’água não declararam a criação do Estado Palestino – se tivesse sido naquela época, teria tido outro nome, certamente, pois o nome Palestina ainda tinha o ranço colonial britânico de que todos queriam se livrar – em maio de 1948? Ou em qualquer momento posterior? Até 67, negociando com Egito e Jordânia, ou mesmo nos anos seguintes, com Israel, antes da onda terrorista do começo dos anos 70.
E por que tanta celeuma agora? Um país-membro tem direitos e obrigações, não é isso? No plano político, me parece que Abbas nunca poderia fazer um acordo final com os israelenses, pois qualquer acordo apareceria para suas bases como fraco, vendido, marionete dos ianques e sionistas. Então, mesmo que o resultado final seja pior do que o resultado negociado – e eu acredito que um acordo negociado com Israel pudesse ser melhor mesmo para os palestinos (agora querendo dizer apenas os árabes de Gaza e Cisjordânia, e algum não-árabe que por acaso queira morar no novo país e seja aceito enquanto cidadão) – mesmo que o resultado final com a declaração seja pior objetivamente, ele vai parecer como uma imposição a Israel. E é isso o que importa.
Eu acredito, sem base factual nenhuma, seria trabalho de jornalista, que tem muita gente no governo israelense que está fazendo essa campanha contra a admissão na ONU para jogar o jogo do bode, como se diz no Brasil. “A gente tem que dar ao Abbas esse ‘triunfo’, para ele poder dizer que nos arrancou alguma coisa.” Um país independente tem que regular suas fronteiras, construir seus hospitais, produzir energia e assim por diante. Claro que há vantagens para Israel em ter um país independente ao lado, vantagens muito objetivas. Pode não dar em nada, pode ser essa declaração de statehood uma armadilha da qual não se sai mais. Mas pode significar uma mudança desejada para os dois povos.
Enfim, Poliana ou não, acho que o Abbas, colocando o peso da ONU na coisa, acabou abrindo uma brecha para que os moderados (não os pacifistas, os moderados mesmo, os mainstream) dos dois lados possam dizer aos radicais: isso nos foi imposto, não tinha jeito, fiz o que deu. É péssimo, desculpa, foi mal, mas era tudo isso ou perder o apoio dos europeus/ ou uma guerra continuada/ ou ficar muito mal na fita numa situação onde ninguém mais nos aguenta.