Saíram duas opiniões na Folha sobre o ensino superior americano recentemente. Esta e esta aqui. A minha versão é esta. O que eles debatem é a relação mais estreita da universidade com a sociedade americana. De fato, nos Estados Unidos existem mecanismos institucionais bastante sólidos que impedem que a universidade decole completamente do planeta. Mesmo as “cultural wars” dos anos 80 foram apenas um curto vôo.
Mas não há apenas questões institucionais em jogo. Também há nas nossas universidades – e acho que em nossas instituições como um todo – um corporativismo muito grande, que acaba criando cisões sociais muito fortes, num país onde cisões de outro tipo não são tão acentuadas. Uma visão de que o que é bom para a instituição é o que atende aos seus próprios interesses antes de tudo, o que não é verdade.
Talvez a raiva do mercado que é muito presente na universidade não seja apenas uma coisa anti-liberal, anti-capitalista, seja uma raiva daqueles mecanismos de feedback que serviriam para nos lembrar que devemos dialogar com o resto da sociedade. Estou escrevendo inspirada num encontro que tive com membros de uma outra corporação brasileira, preciso pensar um pouco a respeito.
Mas fiquei me perguntando se não moramos em planetas distintos, com seus dogmas muito queridos, sua cultura muito especial, seus valores impermeáveis, mesmo que todos envoltos nos brasileirismos de todos, o amor à língua, ao futebol, ao nosso clima maravilhoso, a nossa espetacular convivência, à televisão, à mistura de tudo e todos, e mesmo à democracia, entendida por cada grupo de um jeito bem especial. Não é que isso seja pouco, talvez isso seja a essência da essência. Mas às vezes fica tudo parecendo cliché, ah, o Brasil!
E na hora de decidir o que importa, que cursos vamos dar, que aviões comprar, que tributação aplicar, fazer barragem ou captar energia do vento, liberar maconha ou limpar a polícia, o que acaba contando é esse interesse mais pequeno, mais restrito àqueles que usam a mesma roupa que eu, vêem os mesmos filmes e frequentam o mesmo balneário.
Claro que a universidade precisa se abrir. Aliás, a imprensa poderia de vez em quando nos visitar, entender o que fazemos no dia-a-dia, além do mapeamento do DNA da mosca. Os alunos querem isso, é fácil sentir. Individualmente, professores e gestores fazem o possível, te garanto. Claro que os Estados Unidos são um exemplo, direto ou indireto, através do Processo de Bologna, que americanizou o ensino europeu.
Mas os americanos não dialogam com a nossa herança universitária, dogmática e autoritária, eles dialogam com a herança inglesa, liberal e pragmática. Então o exemplo americano tem que ser digerido, mais que deglutido, para servir para alguma coisa. Tivemos a influência de Dewey no Brasil, por exemplo, através do educador Anísio Teixeira. Deu numa coisa estranha, nuns professores que ensinam Piaget com cartilha. Tivemos depois, durante a Ditadura, a introdução do sistema de créditos, uma invenção genial americana, que serviu para oferecer a alunos distintos formações individualizadas. Aqui virou o “famigerado acordo MEC-USAID”. Acho que se você der um Google na expressão vai aparecer assim mesmo, o “famigerado…”
Enfim, não adianta apenas olhar para o exemplo americano. É preciso olhar também para dentro, para nós, e ver onde estão as nossas raízes mais democráticas, mais liberais, mais tolerantes, e acima de tudo mais interessadas no outro. Pois temos isso também, não? Temos o corporativismo, mas gostamos do outro, de saber como o outro é, e como podemos lhe agradar. É essa, então a minha proposta: onde é que estão, no Brasil, nossos melhores valores pessoais e institucionais? Na escola de samba? Na pelada na praia? Na reunião na Paulista? No churrasco no sítio? No bate-boca com o prefeito?
Onde é que está a nossa eficiência, democracia, e prazer? Acho que a universidade deve pensar por aí. O modelo americano me fascina, confiram no texto. Mas também tem seus problemas, confiram no texto. Engulido, vai ser um novo Piaget de cartilha (pois como diz Simmel, o conteúdo muitas vezes importa menos que a forma social, resistente). Mastigadinho, pode ser inspirador. Para a gente pensar na gente mesmo.
O modelo de educação brasileira que funciona é a escola de samba. Quem lembra da intelegência artificial até os anos 80 deve guardar uma reverência pelo Seymour Papert. Pesquei uns artigos de época:
http://www.papert.org/articles/SomePoeticAndSocialCriteriaForEducationDesign.html
http://j.mp/ljkI6V
http://cadres.pepperdine.edu/omcadre6/BookProject/papert.htm
Depois botaram inteligência artificial nos currículos e começaram a ensinar errado. Uma pena.
Outras coisas que funcionam no Brasil, como o futebol, seguem o modelo correto, da escola de samba. É a versão brasileira da academia grega e das escolas talmúdicas, que são os modelos que a universidade americana quer imitar. Uma versão um pouco vulnerável a críticas, porque é pré-letrada e portanto um pouco ultrapassada. Na universidade atual, os modelos antigos são mediados por um milênio de obscurantismo e outro milênio de burocracia escolástica europeia. A universidade brasileira copia a burocracia eclesiástica, esquece a fonte, e ignora a escola de samba. Desastre.
Os artigos da Folha são um jogo dos 7 erros. O Cerqueira Leite, ruim como sempre, só tem um que salta à vista: o ponto 4. O outro corrige esse erro, mas introduz novos, tipo “…toda a máquina funcione para agradar os alunos de hoje…. as decisões que chegam à mesa dos “trustees” são tomadas por um grande colegiado de professores”.
Tem um filósofo ou sociólogo brasileiro que diz que a gente copia o candomblé, pois cada cientista social brasileiro serve de “cavalo” para uma divindade: Foucault, Marx, etc. Mas acho que aí a culpa não é do candomblé em si, pois imagino que nos rituais africanos haja algum diálogo entre as divindades, algum embate ritualístico onde as divindades se transformem, se atualizem, não sei pois não conheço nada de religião, deveria.