Quando um namoradinho da época da faculdade me escreveu dizendo que estava ancioso para me ver, eu escrevi esse versinho:
“Prefiro não saber que você me ama
do que ler uma carta de amor mal escrita.”
Não fiquem com peninha pois não mostrei o versinho pra ele e tivemos um fim-de-semana muito bacana em Florianópolis, onde deixamos de lado nossas diferenças gramaticais.
Mas ter lembrado do versinho numa conversa com a Marlene me deu a deixa para entrar na polêmica da gramática. Bom, a essas alturas todo mundo já se deu conta que o material não tinha nada de errado, então nem é preciso defender. Só queria citar uns artigos muito bons que saíram por causa da polêmica, no Estadão. O de hoje, do João Ubaldo Ribeiro, cujo tema o inspirou a escrever um texto bem mais profundo que o usual. Acho que falando certo ou errado amamos a nossa língua, e o debate está mostrando isso…
Antes disso, o artigo mais acadêmico do José de Souza Martins dissolve o elo entre língua sofisticada e classe dominante, o que já sabia quem já prestou atenção a um discurso de empresário e a uma fala de migrante analfabeta.
Agora, a questão não é diferença social ou erudição ou correção gramatical. Quem está em sala de aula sabe disso. No Brasil, em primeiro lugar, duvido do status que dá falar corretamente. Aqui não é Paris. Se você fala “difícil” as portas se fecham, e não o contrário. Claro que há o estigma do analfabetismo. Mas convenhamos que para ser excluído no Brasil por questões linguísticas realmente lhe faltam habilidades de leitura e escrita, então o seu problema não é tanto a exclusão como o fato em si.
Bom, a sala de aula. O que falta não é erudição e alta cultura. Ou o contrário, respeito às falas diversas e à expressão criativa individual. Nesse sentido a polêmica está errada, fora de foco.
Quem está em sala de aula e lê os trabalhos dos alunos sabe que falta a prática da escrita e mesmo da fala mais organizada, própria para trabalhos complexos. Falta saber como organizar um texto, como expressar o que é importante e o que não é, como citar apropriadamente outros autores. “Mas professora, isso é o que eu acho, que é diferente do que a autora acha, então por que citar?” São perguntas ingênuas, de quem lê pouco, não adiante entuchar os alunos com regras ABNT e sei-lá-o-quê.
Claro que há o que os americanos chamam de over correction, que no Brasil seria lascar uma ênclise mesmo quando a natural próclise é a única opção correta. Há as substantivações inúteis, tipo argumentabilidade ao invés de argumentação, eu mesmo uso sociabilidade e subjetividade e não saberia defender. E há termos que simplesmente não existem ou são usados de modo errôneo, mas não é o mais grave.
Enfim, a questão da gramática não é o maior problema, nem numa visão pentelho-erudita nem numa visão doido-relativista.
It’s the narrative, stupid. É o contar, que é tão fácil no nosso dia-a-dia, que empaca na sala de aula, e aí não apenas na escrita como na própria fala. É isso o que eu ensino, a falar, a articular idéias complexas, a aprimorar a racionalidade do próprio texto, a expressar vivências e reflexões para o leitor ou interlocutor, a compreender essas vivências quando lhe são transmitidas, a saber identificar quebras de lógica, enfim, a se comunicar.
Mas eu, bom, eu como pessoa física, apesar desses anos todos, prefiro não saber que você me ama. Estou só exercendo meu direito linguístico…
Um parágrafo importante que por algum erro meu não foi salvo:
Os jovens estão fazendo teatro na escola? Estão escrevendo contos e crônicas, nossos gêneros mais íntimos? Estão debatendo em classe assuntos locais, nacionais ou até internacionais? O velho jornalzinho de escola está funcionando? Os alunos fazem resenhas de textos científicos e críticas de nossas obras literárias? São estimulados a explicar a matéria para alunos que têm dificuldade ou falaram? Fazem trabalhos em grupo? Os nossos escritores estão sendo convidados para vir falar com os jovens?
Enfim, a escola está transmitindo aos alunos a riqueza enorme a nossa língua, tanto no aspecto estético como no aspecto mais pragmático? Sim ou não? Explique por quê. Ou porquê. Pois tanto faz.
Ainda ruminando sobre os esses do plural. Os franceses não comem todos os esses e é chique? Por que temos implicância com quem come esse? E andei reparando que plural em certas situações mesmo gente culta come. Coloca umas laranja na mesa, vai. Acho que o artigo nesse caso está no lugar de “um pouco de”, e o laranja fica sendo um complemento nominal (é isso?), no singular.
Está errado, mas muita gente fala assim. A língua é viva, as transformações acontecem. Algumas a gente resiste, outras celebra, mas o fundamental é saber usá-la…