Querem que eu salve o mundo?

Um conhecido me tweetou o vídeo da professora, que depois foi para as televisões. Ela pergunta algo como: “Querem que eu salve o Brasil, com um giz na mão?”

Aquela frase me irritou bastante. Os salários são baixos? São. Vejam o quadro do Professor Simon Schwartzman em seu blog. De acordo com ele, os professores do ginásio ganham metade do que a média nacional dos profissionais com nível superior. Não é justo.

Agora, o que se quer dos professores não é que salvem o Brasil; é que ensinem algumas coisas a um certo número de jovens a cada ano. O Brasil está andando a despeito do estado da educação, não precisa ser salvo. Se a educação melhorar, a vida vai melhorar, mas nós não somos exatamente um povo que busca salvação na educação.

Buscamos apenas oportunidades, melhorar de vida, abrir horizontes, poder ajudar mais a nossa família e nossa comunidade. É só isso. E claro que o professor enfrenta desafios no dia-a-dia. Se eu, que sou professora de uma universidade estadual paulista enfrento, imagine quem dá aulas no colegial de uma periferia de grande cidade?

Agora, eu entro na aula como se realmente precisasse salvar o mundo. Eu cobro de aluno, eu me exaspero com faltas, eu compro livros porque a biblioteca não tem, quando precisa eu ensino a escrever e a usar a internet, porque tenho alunos que não estão preparados para a universidade e estão na minha classe e se eu não ensinar, quem é que vai?

Fiquei nesses dias imaginando a frase da professora proferida por outros profissionais. Imagine que você vai ao ortopedista e ele vira para você e diz: “O quê, você quer que eu faça a dor sumir do mundo? Com um raio-X?” Isso seria inimaginável. Imagine que você vai ao gerente do banco e ele diz: “Ah, e com essa calculadora eu vou organizar a vida financeira do planeta? Tá!”

E assim por diante. Sim, é com esse giz. Sim, no momento, é com esse salário. Que pode e deve ser melhor, assim como pode e deve ser maior a cobrança sobre as escolas, em todos os níveis. No momento, eu estou elaborando uma proposta de um novo curso para a faculdade. Além do trabalho conceitual, vamos enfrentar problemas políticos para implementar o curso. Não precisa dizer que isso é totalmente extra, não vou ganhar nada nem financeiramente e nem em termos de Lattes, como se diz.

Mas vou salvar o mundo.

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4 respostas em “Querem que eu salve o mundo?

  1. É isso. A Inglaterra espera que cada um cumpra seu dever. O Brasil também devia. Não precisa cada marinheiro ganhar a guerra sozinho, só cumprir seu dever.

  2. Meu irmão notou que na tabela do Simon o salário por hora trabalhada se refere a hora semanal, e não hora mesmo, ou seja, devemos dividir por 4,3 para ter o preço por hora (e adicionar os benefícios, acredito, o décimo terceiro e as férias, mas não tenho certeza se já estão incluídos na conta).
    Além disso, é preciso ver quantas destas horas foram efetivamente trabalhadas e o quanto foi perdido com paralizações e licenças, o que na verdade aumentaria o salário por hora. A UNESP de Marília, por exemplo, pára um mês por ano, numa estimativa grosseira.

  3. Estimo que cada professor da Usp trabalhe mil horas nas assim-chamadas atividades-fins da universidade, que são aquela para as quais o contribuinte mantém a universidade: ensino, pesquisa, e extensão de serviços à comunidade. Reuniões administrativas não contam. Isso resulta na importância de 500 réis por hora, 10% dos quais se transformam em salário pela tabela do Simon. Overhead de 900%. Nunca me canso de admirar esse número mágico.

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