O quinto membro

31 de março é sempre um pouco melancólico para mim, vocês sabem. Esse ano já faz 19 anos que minha mãe faleceu. Nem acredito. Quer dizer, acredito, pois de fato já faz tempo. Além disso, essa história da minha analista querer me dar alta está também me deixando um pouco balançada. Então é assim, não vou ter mais muletas?

É nesse contexto que me lembrei dos infames concursos para docente que participei, antes de aportar em Marília. Coisas terríveis. Humilhações, desrespeitos, tudo. Indecências. Anti-semitismo também. Uma banca fez um bolão para saber “de onde eu era”. Ai, que ódio. Ao invés de escutar minhas propostas para uma concentração em sociologia da mídia, um bolão. “Pensei que você fosse iugoslava.” Algum dia ainda escrevo tudo sobre isso, não será hoje. Só dou as impressões gerais, para chegar onde quero. E se eu fosse iugoslava, burmanesa, soviética, haveria algum problema? Sou cidadã austro-húngara, devia ter dito. Mas só disse, resignada, “ah, então vocês fizeram um bolão…”

Havia sempre 5 membros na banca, levantando toda a sorte de justificativas para não me considerar. Você não é da área, quando eu trazia um nova perspectiva. Seu texto é jornalístico, quando não encontravam os erros gramaticais próprios do texto de quem pula do analfabetismo para o jargão acadêmico sem paradas. Viam um texto confuso quando havia três idéias distintas se trombando num texto, prometendo alguma coisa. E assim por diante. Muito tempo se passou, e estou numa fase boa profissionalmente, então agora lhes tenho um ódio sereno e tranquilo, mal lembrando do sarcasmo com quem me dirigiram num momento em queria e precisava muito daqueles empregos. Deselho-lhes distraidamente que um vírus poderoso lhes coma as entranhas.

Um dia reencontrei um desses fulanos, não dos piores. Ele perguntou se eu lembrava e eu disse, sem mentir: “Não.” Pois não é dele como pessoa que lembro, é mais de um rosto, uma máscara sem nome, de um lugar na banca, é só isso. Pois quando recebia o resultado – notas baixíssimas -, já me prometia esquecer nomes, pessoas. Ficava essa máscara apenas. “Helô, não preste mais os concursos”, me disse uma amiga que já tinha passado por isso e conhecia o custo da coisa. E que me queria bem.

Mas havia 5 membros na banca. E em cada banca havia um membro que era um ser humano letrado e que havia lido meu projeto. Na época, como era um só, e nenhuma influência tinha no resultado, eu não dava bola. Chegava em casa e dizia apenas: “Até teve um que disse que eu lhe lembrei afinal o que era educação.” Mas logo passava à crítica dos outros. Esse membro, de um jeito ou outro, se justificava. Esse a quem eu lembrei o que era educação me pediu autorização para me bombar, por exemplo. Eu respondi: “Não, não lhe autorizo. Se me reprovar, a decisão é sua e conviva com ela.”

Teve um, num concurso da Unicamp, que me olhava na banca, desamparado, apelativo. Na saída, veio falar comigo. Também não dei muito bola. Ele disse que gostou do projeto, que viu tantas coisas lá, mas o que podia fazer? Era um. E levantou os braços, com as palmas das mãos abertas, abriu um pouco os lábios, como quem lamenta e pede perdão.

Vamos ser francos: eu o vi como fraco. E agora, nesse momento de transição, escuto com clareza o seu apelo. “Você quer que eu defenda seu projeto. Mas somos 5, e seu projeto só fala para 1. Para 5, só o Big Brother Brasil fala. Tire as arestas, use o corretor do The Onion (http://t.co/m9sMxhr), leia Fundação do Asimov, vamos lá, Helô. Não me decepcione. Do jeito que está, aprovar seu projeto é como carregar água sem cuia, tudo o que eu digo sai vazando por aí.”

Então ainda o vejo como fraco, que vou fazer? Mas sua figura ganha hoje uma roupa mais digna, um fraco com a consciência de sê-lo, e ganha um destaque em relação aos outros, cuja mente nunca vou compreender. Pois minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos…

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Uma resposta em “O quinto membro

  1. como se sabe, nao sou a pessoa mais indicada para falar do assunto.
    mas é sempre mais facil responsabilizar os outros.
    como diria um amigo em comum, a vida nao é facil.
    abs
    sgold

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