As salas do Belas-Artes andam lotadas, legal ver essa mobilização, ou ao menos homenagem, dos paulistanos ao cinema. Outro dia vi gente lá que não parecia frequentador, parecia estar vindo pela primeira vez para ver o que era o tal “cinema de rua” de que falavam os jornais. Os funcionários estavam emburrados, mas havia um certo movimento. E ontem estavam alegres, o dono estava lá na bilheteria, havia um ânimo. Mas tombar? Vieram umas moças antes da projeção para nos contar da mobilização, falando com sarcasmo do dono do imóvel. Levantei a mão e disse para a Renata, do meu lado, o que eu ia dizer. Que tombar não era a solução, que o lugar tinha muito trânsito, era melhor mesmo abrir em outro lugar, quem sabe usando essa energia toda para uma campanha de filiação ao cinema, etc. A Renata me olhando com aquele olhar de peloamordedeus, não fala nada, e eu continuando, de brincadeira, afinal acho tão gostoso isso de levantar a mão e dizer exatamente o contrário do que se espera, tenho um prazer especial.
Eu particularmente adoraria que comprassem esse imóvel horrível aqui na Heitor Penteado, onde era o Henri Matarazzo e conseguiram fazer algo pior ainda. Imagine, um cinema/centrocultural, se o Kassab ficou com peninha podia ajudar, o governo do Estado podia fazer um curso técnico em audiovisual acoplado, uma coisa bacana. Perto da Barra Funda para o pessoal descolado, perto da Paulista para os cinéfilos, enfim, minha idéia é essa. Com um saguão bonito, livraria, papelaria chique, café com lugar para leituras informais, galeria, whatever. Mas também queria contar histórias do Belas-Artes, nenhuma muito especial. Uma tem a ver com a Clarice Lispector. Eu estava na faculdade, provavelmente 1987. E estava lendo A Hora da Estrela, o pior livro de Clarice Lispector. Ah, mas o livro é tão bom, não é o pior. Ah, não? Então qual é o pior? Ah, não sabe, né?
Uma vez a Renata disse: “Melhor é impossível” é o pior filme de Jack Nicholson. E eu disse: ah, mas o filme é tão bom. Ah, é?, ela respondeu. Então qual é o pior? E eu não soube dizer. Assim que aprendi o truque. Bem, para ir para a USP, naquela época, eu fazia baldeação em frente ao Belas-Artes. E via o cartaz: “A Hora da Estrela” e algo me dizia que eu tinha algo a ver com aquele título. E voltava a ler o livro, e algo me dizia que o título já tinha me aparecido antes, e assim se passaram algumas semanas, até me dar conta de que tinham feito um filme baseado no livro que eu lia. E só, não é grande história. Nunca vi o filme. Quando, num curso que dei nos EUA, a professora que co-teached o curso comigo quis passar o filme, arrumei uma desculpa e fui para Nova York naquela semana. Eu não ia ver “A Hora do Estrela”, eu não era estrela e não era a minha hora!
Com a Marlene, não tem erro. Nem veja a sinopse, pois o faro dela é melhor que o seu, não negocie. O filme que ela indica é sempre bom. Então fui ver “A Árvore” na semana passada, e valeu. Tudo bonito, emotivo mas sem apelação. Gostei. Vi na menina uma filha de um amigo meu, meio selvagem. O Belas-Artes é parte da vida da Marlene, ali do lado de casa. É parte da minha vida também, mas minha alma cinéfila ficou no Cineclube Bexiga, na Cinemateca quando era em Pinheiros (nem a atual Cinemateca nem o Cine UOL ou seja lá o que for agora ficaram com ela). Hoje em dia, Espaço Unibanco. Dizem que o cinema de shopping domina, mas na verdade eu nunca vou nesses lugares, nunca mesmo. A última vez acho que foi em Pittsburgh, no festival de cinema judaico, que era num shopping até simpático do outro lado do rio.
E ver Dersu Usala num cinema ainda mais alternativo, em frente ao Cineclube Bexiga? Acho que minha alma está lá. O primeiro filme que não entendi. Mas as mostras de Bergman eu vi na Cinemateca, provavelmente La Notte também. Então gosto do Belas-Artes, mas se mudasse de lugar não me afetaria muito.
Ontem, pela homenagem, quis ver os filmes especiais, um filme de 1939 de Jean Renoir. Para homenagear. Mas estávamos em 4, e fui voto vencido. Fomos ver o filme do Clint Eastwood. O pior filme que já vi. Ah, mas tem tanto filme ruim. Tem, mas esse é pior de todos. Aquele da mulher romena que tem que transar com o aborteiro para ele fazer o aborto pra ela é ruim, mas tinha a sua delicadeza, a cena da briga no estacionamento tinha humanidade. Saí no meio, é verdade, pois não sinto que meus pecados sejam tantos assim para merecer aquilo. O da russa enjeitada vivendo numa Cohab na Finlândia ou algo do gênero também era ruim, fiquei menos tempo ainda, nem deu pra saber a trama. Acho que no Shopping Santa Cruz, mostra internacional. Mas “Além da Vida” é de um ruim tão completo e profundo, da iluminação aos atores, do enredo ao clima, das emoções à fotografia. Tudo absolutamente invencível: o pior filme que já vi.
O dia, antes do filme, tinha tido algo de mágico. Comer na Liberdade, brincar com a filha da Renata num parquinho, fofocar com a ex-cunhada dela coisas de mulher. Engraçado, algumas “fotos” do dia foram se fixando na minha cabeça: uma mulher atravessando a rua carregando a filha, as duas desajeitas e coloridas, um pai brincando com a filha numa antiga piscininha de prédio, uma vista bonita dos parques de Higienópolis, um adolescente chegando sujo de uma partida de futebol, amigos subindo a Angélica falando alto. Então, para selar esse dia bom, marcando tão claramente a realidade e a fantasia, o cinema e a vida, quem sabe a abominação de Eastwood não foi o filme perfeito?
Comprei uma TV digital. Agora pega uns canais com antena, PBS e Fox. temos televisão de novo, de vez em quando. Agora vou menos ainda em cinema de shopping. O cinema comercial aqui do lado fechou, mas não estão falando em tombar.
Ah, mas nisso concordo com os tombadores: S. Paulo precisa de espaços públicos, referências, e o Belas-Artes é um deles…
agora que tenho um blog, posso criticar, nao?
o pior livro da clarice lispector deve ser aquele de entrevistas. “chico, o que é o amor para voce?”. eu tambem nao gosto muito de “uma aprendizagem”. a figura masculina, ulisses, é muito idealizada. em alguns momentos parece “sabrina”. mesmo “a paixao segundo gh” é um pouco supervalorizada pela critica. bom mesmo sao os contos.
hora da estrela para mim é um dos melhores.
tudo no mundo começou com um sim. uma molecula disse sim para outra e a vida comecou.
visite meu blog e critique quanto quiser, lá nao tem censura, pelo menos por enquanto.
e não se esquecer que por enquanto ainda é tempo de morangos.
abs
sgold