Ontem minha mãe faria 71 anos, então já me perdôo o sentimentalismo. É que ontem mesmo, voltando de Ubatuba, pensei no chaveiro que uso, DD9182 de um lado e Henrique Pait de outro. Amarelo, imitando uma placa de automóvel de antigamente. Quando achei o chaveiro numa arrumação em casa, e vi a placa, logo reconheci: o Fusca da minha mãe. DD9182 é como 212.7833, ou 67-1761. 826-2069. Enfim, esses números que ficam na cabeça da gente, cheios de significados. DD9182. Aí virei o chaveiro e estava o nome do meu pai. Do meu pai? Mas o carro era da minha mãe! E num segundo me dei conta de que o carro havia sido um presente. Que foi comprado pelo meu pai, para a minha mãe, e era tão dela que nada era mais dela que aquele carro de bancos cor de caramelo. Desses presentes dos bons.
E aí vendo o chaveiro me arrependi de não ter visto ele antes, que droga! Pois pouco antes meu pai tinha se penitenciado comigo. Sabe, eu não fui bom marido para a Rosa. Em parte concordei, em parte refutei, contando coisas que ouvi minha mãe dizer. Pois ela era daquelas, como dizem os americanos, larger than life. Então seus perdões eram grandes, maiores que as mágoas, amores maiores que os ódios, tudo grande, gritado. Então ponderei com meu pai que excelente marido não tinha sido mesmo. “Ela não queria muito, pai.” Mas que amado ele ela amou até o final. E contei umas histórias.
Mas ah, se eu soubesse do chaveiro! Teria dito confiante: “Pai, pagou a Hebraica a vida toda e comprou um Fusca! O que mais uma mulher precisa? Está ótimo!” E teria sido uma resposta melhor. Enfim.
Se um chaveiro tem tanta vida, um chaveirinho mixuruco que qualquer dia perco, estão minhas chaves de Marília nele, o que dizer da Casa de Ubatuba? O melhor seria vender. Antes que o Dirceu transforme a vida dos judeus aqui do Brasil na mesma miséria dos de Caracas, e que eu vá pedir asilo numa embaixada qualquer. Antes que os ladrões entrem de novo. Enfim. Mas não vou vender. Vou reformar e alugar. E pronto. Por quê? Porque não consigo me livrar do chaveiro.