Tel Aviv, dia 7

A semana aqui começa no dia 1, rishon, literalmente primeira. Aí segue como em português, segunda, terça, etc., até a gozada sexta, que é shishi. Mas shishi é como o nosso sábado, só as lojas funcionam. Escritórios, universidades, não. O sábado pára completamente, mas as lojas reabrem às 8 da noite.

Hoje é shishi. Mas ainda não me habituei bem, então não estou com pique de fim-de-semana. Ontem andei na praia com o sol a pino. Mas estava fresco, 31 graus, e ventava. Então simplesmente esqueci o quão longe estava de casa e pensei no trabalho como se estivesse andando na Praia Grande de Ubatuba. Alguns emails trocados com o chefe e com alguns alunos me botaram para pensar na faculdade e nas pesquisas dos alunos. Alguns trabalhos excelentes nesse semestre, uma orientação em andamento que promete muito, de uma aluna que capta as questões teóricas com muita facilidade. Outros alunos me pedindo dicas para publicação.

Tirando a língua acho que seria fácil se adaptar aqui, em uma semana já estou meio em casa. Engraçado que conheci dois israelenses que querem investir no Brasil. Algum leitor aí tem grana? Um dos projetos é muito interessante. Nenhum dos dois terminou a graduação. Acho que é meio como os Estados Unidos, o cara estuda até onde precisa, não há essa paranóia do diploma. Um deles: “Sinto falta de curiosidade nos Brasileiros, de querer saber mais, fazer mais, parece que o que eles têm está bom.” Claro, é isso aí mesmo, por isso o país é bom, está todo mundo contente. Mas com que grupo você está comparando? “Com os israelenses.” Achei a resposta engraçada. Como é que dá pra comparar com os israelenses? São, na maioria, judeus, e a tribo é feita de gente insatisfeita com o mundo como ele é, não é isso? Alguns chegam a algum lugar, o Krugman com o prêmio Nobel, o Soros com sua fortuna. Mas veja que logo mudam de objetivos para manter o nível de insatisfação em algum lugar tolerável.

Falando com esses israelenses revalorizei a experiência diaspórica. A gente tem mais noção de como é mundo. “E por que os brasileiros criticam tanto os Estados Unidos?” Ué, onde é que não criticam? Os árabes aqui seus vizinhos não criticam também? Assim que as coisas são. A americana do outro dia: “Se nós resolvermos o problema (não me lembro exatamente qual) essa crítica internacional se vai.” Ah, tá. E o Papai Noel vai trazer presentes para todo mundo. Eu: “Olha, debater Estados Unidos é possível, há uma certa racionalidade. eu faço isso em classe. Israel não, é uma crítica ideológica, não tem como debater, eu nem tento, não tem base nas ações. “Puxa, mas isso que você me descrevendo é anti-semitismo.” Ah, é mesmo? No Bronx e em Tel-Aviv não tem muito, né?

Um outro comentário sobre a identidade israelense: nem todo mundo tem essa obsessão judaica pela aldeia de onde o bisavô chegou. Se você pergunta, às vezes recebe como resposta a data de chegada a Israel dos pais ou avós ou o que seja, e pronto. “Eu sou israelense.” Como se a história tivesse começado ali. Talvez sejam histórias traumáticas demais, talvez seja o jeito dos Mizrahim, talvez seja a ideologia sionista, não sei. Talvez seja uma questão de geração. Judeus askenazi mais velhos falam das origens como os judeus da diáspora.

O Itamaraty é outro mistério para a galera aqui. Por que o Lula deu aquele abraço numa figura como o Ahmadinejad? Eu tento explicar um pouco, não convenço ninguém.

Voltando ao Brasil: o país aparece aqui e ali, além dos investidores potenciais. Capoeira na rua ontem à noite. Loja da Havaianas. Loja de biquini. O que mais me tocou: Uma homenagem ao Leon e à Antonietta Feffer numa alameda. Essa Antonietta não era a amiga da Vó, da Ofidas?

Sobre a configuração jurídica, ontem fui ler a declaração de independência (http://www.pazagora.org/impArtigo.cfm?IdArtigo=562). É um texto bonito sim, pensado, que lida explicitamente com a questão da cidadania das minorias. Mas com as guerras todas essa situação absurda de zonas e passes foi se desenvolvendo…

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5 respostas em “Tel Aviv, dia 7

  1. sugestao de artigo: qual é a situação das minorias nao-palestinas no estado de israel? por exemplo, os circassianos, ou os drusos. situacao juridica, espaco para os costumes proprios, participacao nas instancias do estado (exercito, politica, educacao…) etc.
    ai’ vc poderá avaliar a questao das minorias sem a interferencia da guerra.

    abs
    sgold

    ps. os circassianos tem umas duas aldeias no norte, é meio longe.

  2. Falta de curiosidade dos brasileiros: é o Brasil oficial, burocrático. O Brasil real é curioso. Mas para entrar no Brasil oficial o cara precisa de diploma. Daí ele deixa a curiosidade na entrada da sala de aula, lá onde num país de clima mais pesado ficariam o casaco, o guarda chuva, ou as galochas.

  3. Serginho,
    Tem também esses refugiados da Eritréia (que vão abrir o restaurante), os vietnamitas, os filipinos. Pois Israel atrai os trabalhadores, é hoje um país muito desenvolvido. Pode ser sim, é um tema interessante!
    H.

  4. é uma boa questao: esses trabalhadores, nao judeus, se sentem cidadaos de israel?

    acho que o caso dos drusos, circassianos (“tcherkessim”) e outros é mais complexos. eles sao organizados e tem status especial, com tribunais proprios.

    outra questao que eu teria interesse é a situacao atual dos kibbutzim.
    lembro que havia o yad tabenkin, que era uma especie de cebrap da corrente principal dos kibbutzim (“united kibbutz”, ou “kibbutz miuchededt”, ou algo assim, ligado ao mapam). nao sei se isso ainda existe. nem o mapam eu saberia dizer se existe.

    abs
    sgold

  5. A impressão que tenho é que não, pois pelo que entendi eles têm um visto de refugiado por tempo determinado. E acabaram de chegar, o hebraico deles não é fluente – alguns tem bom inglês. Eles vieram pelo deserto, então estão mais preocupados em se virar, imagino, do que em outra coisa.
    Se você pergunta para algum Mizrahi se ele é árabe o cara quase te pula no pescoço, então a impressão que tenho é que o sentimento de cidadania israelense está muito ligado com a identidade judaica. Claro que há os árabes isralenses super integrados, quem sabe eu converso com algum, mas não é como nos EUA ou Brasil, é outra conversa.

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