As Bertoias de meu pai

Cuidar de casa nunca foi meu forte. Estando sempre indo ou vindo dos EUA não ajudou. Outra coisa que não ajuda é as casas serem herança de meus pais queridos; fico sempre querendo voltar ao que era antes ao invés de adaptar ao que preciso hoje.

Mas a casa de Ubatuba precisava de reformas urgentes, depois de anos de descaso. E hoje vi que há uma nova goteira aqui na Paulistanea. Então os próximos meses serão de reparos, não há jeito. Ao menos uma faxineira maravilhosa eu arrumei. E nesse tal de buscar profissionais juntei com minhas investigações sobre São Paulo e descobri coisas interessantes. Fui ao Brás, à Barra Funda, a lugares que normalmente eu não iria a não ser para visitar Centros Culturais.

Também fui à Mário Ferraz, confesso, que de férias e com algum dinheiro no bolso é uma delícia. Comprei um condicionador de cabelos muito bom, que vale a fortuna que custa: Redken. Lá também me indicaram: para comprar capas de roupa, vá na São Caetano. Uma vendedora dessas boas, que não empurra, da Alcaçuz. Tomei o ônibus aqui no Terminal Vila Madalena, sem baldeação nem nada. Comprei as capas na Rua da Cantareira, num lugar que não tem na internet, Fran Capas.

Primeira lição: nem tudo tá na internet. Não adianta ir Googlando tudo porque há uma cidade que não está catalogada no site das Casas Bahia, não tem ação vendida na bolsa de Nova York e não vê palestra sobre mídia digital. Serralheiro, por exemplo. Vi três endereços na internet. Dei com a cara na porta em dois. O terceiro era num precipício entre a Cerro Corá e a Panamericana, um lugar meio estranho que não me meti a parar o carro. Esses lugares ainda não colonizados de S. Paulo, parados em algum tempo outro.

Aí vi na lista telefônica e encontrei o Serralheria Pompéia. Deixei minha Bertoia lá, vamos ver. Acho que vai ficar ótima. E cortar espuma, sabe onde corta? Lá para Ubatuba, eu precisava de um naco. Fui perguntando por aí, lá em Pinheiros. Um mandou para o outro e ninguém tinha a máquina. Aí peguei o carro, desistida, e na Cardeal quase na Pedroso têm dois lugares. Amanda Espuma foi minha escolha, vou fazer as almofadas da Bertoia lá.

Porque a rua do Gasômetro é muito bonita e tal, mas não gostei das almofadas Bertoia que eles vendiam lá, de couro sintético. Mas valeu ter ido, a rua existe, é cheia nos fins-de-semana, e de lá vemos a cidade de um outro ângulo, não sei explicar direito. Seguindo em frente damos no Parque Dom Pedro, e daí é que começa a nossa cidade, para quem vive deste lado: centro, higienópolis, pinheiros, morumbi. Parece que vemos a cidade no espelho, faz sentido isso?

Se contar o tempo e o dinheiro que gastei para orçar niquelação, comprar produtos de limpeza, pedir para a faxineira limpar as cadeiras, mandar fazer assento, encontrar serralheiro e tudo o mais, bom, não dá os 180 real por cadeira de jeito nenhum que eles faz lá no Brás não. Mas são as Bertoia de meu pai. Que ele trouxe do escritório de arquitetura depois que fechou, que foram para a Martinico, agora estão na Paulistanea. Calculo meados dos anos 50, não sei. Meio detonadas, com pontos de ferrugem, mas com as varas de metal geometricamente trançadas; são mais belas que as novas, brilhantes.

Ah, na Barra Funda fui comprar parafusos, pois havia alguns faltando. E WD40, pois a Márcia disse que só limpava se eu soltasse as porcas, ela está certa.

E ainda há o vidraceiro lá da Harmonia, ao lado do marceneiro, lá em baixo no Cemitério. Para umas coisinhas dos banheiros lá de Ubatuba. Aquela loja de panelas esmaltadas mais pra cima, entre os dois Jacarés, bom, a qualidade eu não sei se é francesa, mas o atendimento é.

Fora a moça das panelas e o vendedor de colchões da Teodoro, todos absolutamente solícitos! Vai pra cá, vai pra lá, vira aqui, eles têm, pode ir. Da Mário Ferraz à Cantareira. “Não garanto que a solda resista”, o serralheiro me avisou. Vai resistir sim, não se preocupe.

Vai resistir. Se essa cidade resiste, por que sua solda não há de resistir? Resiste a enchente, a corrupção, à brutalidade em suas várias expressões, e à modernidade em suas também várias expressões. Vai resistir sim.

Então está sendo esse, meu programa de férias, explorar cantos da cidade onde pequenos negócios, consertos, nichos de mercado sobrevivem nesse boca-a-boca sem engenho de busca…

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2 respostas em “As Bertoias de meu pai

  1. Bom, obviamente Angra e Haiti estão na minha cabeça o tempo todo. Aquele esmero todo na pousada, aquele esforço todo dos soldados brasileiros, ver tudo ir por água abaixo é uma tristeza só.
    Mas a gente vai cuidando das pequenas coisa, enquanto isso, pois as grandes, fazer o quê?

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