Escrevi um breve relato sobre o Moodle para o pessoal lá da UNESP; aqui vai:
Usando o Moodle
em cursos de graduação nas ciências sociais e humanas
Comecei a usar o Moodle na UNESP de Araraquara, em 2004. Logo no primeira semana fui até o departamento de informática e perguntei ao Bruno, um simpaticíssimo analista que ainda trabalha lá: “Tem aí algum lugar pra eu botar o material do meu curso?” Ele me deu algumas opções que iam muito além do que eu havia imaginado: o Moodle e o TelEduc da Unicamp. Me apaixonei pelo Moodle, que organizava as atividades do curso divididas semana a semana. O Bruno instalou o Moodle e passamos a usar o software e a oferecer a outros professores também. Hoje eu monto o programa do curso baseado no Moodle e só depois jogo no programa da disciplina; ele me ajuda a visualizar o caminho do meu curso…
Nesses anos dei aulas ainda na Fundação Santo André, na Grande São Paulo; em Chatham University, nos Estados Unidos; e estou de volta à UNESP, no campus de Marília, sempre usando o Moodle. Essa minha segunda experiência com o Moodle na UNESP me lembrou a de Araraquara: escrevi para o André perguntando se eu poderia usar o Moodle central da UNESP, ainda em testes, e ele foi super gentil em me dar o OK! É um pouco insólito que em instituições tão distintas a gente tenha acesso a essa ferramenta em comum. Padronização? Não acredito, pois o bacana do Moodle é exatamente a flexibilidade que ele apresenta. Acho que cada professor que o usa imprime a sua marca, adapta-o. É mesmo uma sala de aula – o espaço físico está lá, com as cadeiras e mesas, mas o que vamos fazer com aquilo depende de cada um.
O que o Moodle apresenta de novo no ensino? Bom, minha experiência é de uso da ferramenta para apoio a aulas presenciais, e não para ensino à distância. Em princípio, nada. Nada que a gente faça no Moodle seria impossível de fazer com um bom xerox. Nos meus cursos, os alunos vão elaborando ao longo do semestre um trabalho com pesquisa empírica original. Nada impediria que eles mostrassem uns aos outros esses trabalhos em andamento, que o circulassem por email ou cópias em papel. Mas seria pouco prático. No Moodle, a coisa está lá, acessível com um clique. O que será que a Débora está fazendo? Como anda a pesquisa do Marcelo? Está tudo lá, um Big Brother. Os trabalhos não são artigos quase secretos, comunicação sigilosa entre professor e aluno; o professor é um leitor entre muitos. É ainda o que vai dar a nota, aquele com quem a gente tem que brigar para poder fazer do jeito que a gente quer. Mas o público não se resume a ele.
Muitas vezes, nas apresentações finais dos trabalhos, há uma competiçãozinha, que vale um presente quando tenho verba, ou pontos na nota quando não tenho. O júri – a classe – muitas vezes escolhe um trabalho que pelo meu critério não tinha nada de especial. E aí a lição fundamental é aprendida: o que seria do verde se todos gostassem de amarelo? Tive dois alunos em Araraquara, a Carol e o Gabriel, que sempre tinham sugestões para os trabalhos dos colegas melhores que as minhas… Nesse meu primeiro semestre em Marília, foi muito gratificante ver nas apresentações dos trabalhos, nas últimas semanas de um semestre muito corrido, os alunos fazendo perguntas instigantes sobre os trabalhos de colegas.
Mas, como disse, o Moodle em si não traz nada de novo. Ele reflete a comunica-ção que há na sala de aula. Desta forma, num curso mais tradicional o Moodle pode ser usado como veículo de distribuição de material: lá estariam o programa, artigos, tarefas, etc. Meu curso tem esse elemento também. Mas num curso onde a idéia é que conheçamos uns aos outros, seus modos de pensar, seus questionamentos e suas pesquisas, aí o Moodle vai refletir esse projeto também.
Como os alunos lidam com o Moodle? Bom, existe na universidade pública um discurso crítico em relação aos novos meios. Mas nunca tive problemas de adesão ao Moodle, e não saberia explicar por quê. Será que esse discurso é na verdade mais superficial do que a gente pensa? Será que ele não atinge a comunidade acadêmica como um todo? A investigar. O fato é que se você diz na primeira aula que o curso vai ser dado com o Moodle o pessoal se inscreve e pronto. O que já ouvi do Moodle, de divertido: “É o nosso Orkutezinho.” E de um aluno muito engraçado, já mais velho: “Professora, esse Moodle a gente vai usar pra ser moderno, né?”
As críticas ao Moodle vem de questões muito mais profundas, mais sérias sobre a sociabilidade na sala de aula. Existe o medo da exposição, por exemplo. Taí um medo real, que deve ser respeitado. Pois uma coisa é submeter o seu trabalho ao crivo do professor; outra bem diferente é submeter o mesmo trabalho ao crivo dos colegas. Relacionado a isso, meus alunos muitas vezes se ressentem de meus comentários no Moodle aos seus trabalhos. Como as classes são grandes, e os comentários para uns servem para outros, opto por fazer comentários públicos, que alguns alunos não gostam, novamente pela questão da exposição. Mas, veja, tais críticas não são muito distintas das que eu receberia na sala de aula, então novamente o Moodle serve como amplificador de aspectos da sociabilidade na sala de aula.
Minha impressão, a partir da experiência e de avaliações de alunos, é que no frigir dos ovos o Moodle traz um saldo muito positivo. Mesmo que apresente desafios, são desafios comuns na sociedade contemporânea, que nos obriga a ao mesmo tempo expor nossas convicções e resguardar nossa privacidade. Nesse sentido, o Moodle é um ensaio para a participação pública numa sociedade marcada pelos uso intenso de meios de comunicação. Acredito que em todas as classes onde dei aulas os alunos puderam se conhecer melhor através do Moodle, pois sua interação foi além do “E aí, belê?” de todo dia. Em classes grandes especialmente, os alunos têm oportunidade de conhecer as idéias de muitos alunos com quem travam um contato superficial no dia-a-dia.
Lembro especialmente de um aluno que tive em Araraquara, deficiente auditivo, que relatou ter o sentido de participação e pertencimento à classe pela primeira vez no meu curso. É um exemplo raro mas que hoje, com as políticas de inclusão, pode se tornar mais comum. Além disso, esse exemplo revela um fenômeno que pode ocorrer em menor grau com os alunos tímidos em sala de aula mas desenvoltos na escrita; ou seja, quanto mais formas de participação a gente propuser, mais pessoas com distintas capacidades a gente pode incluir.
Se você entrar em algum dos meus cursos não vai ver grandes debates, não. Isso porque os cursos são presenciais. Então os debates em torno dos trabalhos, de acordo com relatos dos alunos de Araraquara, ocorriam na lanchonete. Em Marília não sei precisar onde ocorrem pois não há lanchonete… (em academês: É preciso pensar a construção de espaços públicos virtuais sem descuidar da manutenção e permanente enriquecimento dos espaços de convívio face-a-face, tanto formais como informais, onde reafirmamos a nossa humanidade.) Imagino então que há uma construção coletiva dos trabalhos, a que eu como professora não tenho muito acesso. Tenho acesso aos pedidos de orientação pessoal, claro, e aos debates em sala de aula. Mas não ao que ocorre fora da sala de aula e do Moodle. Acredito, porém, que o Moodle acaba estimulando essa colaboração, esse debate, e nesse sentido ele não precisa ser completo, auto-suficiente. É bom que seja um apoio mesmo, um trampolim para os saltos mais altos que os alunos queiram dar na busca do conhecimento.
Vou fazer um comentário mais prosaico: o Moodle economiza papel. Quando precisam imprimir um texto, os alunos usam frente e vero em letra pequena. Os professores tendem a usar fontes enormes por causa da presbiopia.
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